Canábis: uso terapêutico só passará sem autocultivo
Manobras de última hora evitaram morte súbita dos projetos do BE e do PAN que autorizam uso terapêutico da canábis. Bloquistas abertos a “solução de compromisso”
Sessenta dias. Este é o tempo que a comissão parlamentar de Saúde agora tem para consensualizar um articulado que abra caminho à possibilidade do uso terapêutico da canábis. O tema animou ontem a tarde parlamentar e, se não fosse uma negociação de última hora, os projetos de lei apresentados pelo BE e pelo PAN seriam pura e simplesmente chumbados (pela conjugação dos votos contra de PSD, CDS, PCP e PEV ). A negociação resultou na utilização do mecanismo regimental que permite aos projetos de lei baixarem à respetiva comissão (de Saúde, no caso) sem votação. Foi o que aconteceu, com autorização unânime.
O problema central dos dois projetos – aquele que levaria ao seu chumbo, se tivesse havido votação – nem é propriamente o uso terapêutico da canábis. Antes o facto de ambos preverem a possibilidade de um doente a quem seja prescrita a canábis como forma de tratamento não a comprar na farmácia mas antes a cultivar em casa. No projeto do BE lê-se: “A pessoa que seja detentora de receita médica [...] pode deter, transportar e cultivar canábis desde que para consumo próprio e atendendo aos limites de quantidade definidos pela atual lei.” O do PAN também propõe mais ou menos o mesmo mas de forma mais detalhada, estabelecendo, por exemplo, que esta prescrição médica de autocultivo não pode ser passada a quem “tenha cumprido pena de prisão efetiva por tráfico de estupefacientes”.
Ora, o PSD e o PCP, embora favoráveis – como BE, PAN, PEV e PS – ao uso terapêutico da canábis, são contra, radicalmente, a possibilidade do autocultivo. Portanto, canábis médica só na farmácia, sob a forma de medicamento. E por isso votariam contra (fazendo maioria com o CDS, que é contra tudo, autocultivo e utilização médica). No debate de ontem à tarde no plenário, bastou uma frase à deputada comunista Carla Cruz para sintetizar as resistências ao autocultivo: é uma “forma encapotada [de] abrir caminho à utilização da canábis para fins recreativos”. “A regulação do uso terapêutico de canábis não pode ser utilizado como pretexto para legitimar ou favorecer o seu uso recreativo.”
Percebendo que os projetos iriam ser chumbados pela maioria PSD+CDS+PCP+PEV, os bloquistas e o PAN passaram à fase seguinte de luta, propondo a tal baixa à comissão sem votação. Mariana Mortágua, do BE, explicou que não podia deixar que o seu projeto morresse não pelo que propunha no essencial (a possibilidade do uso terapêutico da canábis) mas por uma questão ao lado (o autocultivo). E afirmou-se disponível para uma “solução de compromisso”.
O que conseguiu aprovação formal foi, isso sim, um projeto de resolução do PCP recomendando ao governo que“reforce o investimento público no plano da prevenção” para “prevenir o uso nocivo de canábis”. Uma aprovação conseguida com uma geometria de apoios bastante heterodoxa: votos a favor do PCP, PEV e CDS; abstenção do PS e PSD; votos contra do BE e do PAN.
PCP conseguiu fazer aprovar resolução recomendando ao governo que reforce prevenção contra “o uso nocivo da canábis”