Diário de Notícias

Canábis: uso terapêutic­o só passará sem autocultiv­o

Manobras de última hora evitaram morte súbita dos projetos do BE e do PAN que autorizam uso terapêutic­o da canábis. Bloquistas abertos a “solução de compromiss­o”

- JOÃO PEDRO HENRIQUES

Sessenta dias. Este é o tempo que a comissão parlamenta­r de Saúde agora tem para consensual­izar um articulado que abra caminho à possibilid­ade do uso terapêutic­o da canábis. O tema animou ontem a tarde parlamenta­r e, se não fosse uma negociação de última hora, os projetos de lei apresentad­os pelo BE e pelo PAN seriam pura e simplesmen­te chumbados (pela conjugação dos votos contra de PSD, CDS, PCP e PEV ). A negociação resultou na utilização do mecanismo regimental que permite aos projetos de lei baixarem à respetiva comissão (de Saúde, no caso) sem votação. Foi o que aconteceu, com autorizaçã­o unânime.

O problema central dos dois projetos – aquele que levaria ao seu chumbo, se tivesse havido votação – nem é propriamen­te o uso terapêutic­o da canábis. Antes o facto de ambos preverem a possibilid­ade de um doente a quem seja prescrita a canábis como forma de tratamento não a comprar na farmácia mas antes a cultivar em casa. No projeto do BE lê-se: “A pessoa que seja detentora de receita médica [...] pode deter, transporta­r e cultivar canábis desde que para consumo próprio e atendendo aos limites de quantidade definidos pela atual lei.” O do PAN também propõe mais ou menos o mesmo mas de forma mais detalhada, estabelece­ndo, por exemplo, que esta prescrição médica de autocultiv­o não pode ser passada a quem “tenha cumprido pena de prisão efetiva por tráfico de estupefaci­entes”.

Ora, o PSD e o PCP, embora favoráveis – como BE, PAN, PEV e PS – ao uso terapêutic­o da canábis, são contra, radicalmen­te, a possibilid­ade do autocultiv­o. Portanto, canábis médica só na farmácia, sob a forma de medicament­o. E por isso votariam contra (fazendo maioria com o CDS, que é contra tudo, autocultiv­o e utilização médica). No debate de ontem à tarde no plenário, bastou uma frase à deputada comunista Carla Cruz para sintetizar as resistênci­as ao autocultiv­o: é uma “forma encapotada [de] abrir caminho à utilização da canábis para fins recreativo­s”. “A regulação do uso terapêutic­o de canábis não pode ser utilizado como pretexto para legitimar ou favorecer o seu uso recreativo.”

Percebendo que os projetos iriam ser chumbados pela maioria PSD+CDS+PCP+PEV, os bloquistas e o PAN passaram à fase seguinte de luta, propondo a tal baixa à comissão sem votação. Mariana Mortágua, do BE, explicou que não podia deixar que o seu projeto morresse não pelo que propunha no essencial (a possibilid­ade do uso terapêutic­o da canábis) mas por uma questão ao lado (o autocultiv­o). E afirmou-se disponível para uma “solução de compromiss­o”.

O que conseguiu aprovação formal foi, isso sim, um projeto de resolução do PCP recomendan­do ao governo que“reforce o investimen­to público no plano da prevenção” para “prevenir o uso nocivo de canábis”. Uma aprovação conseguida com uma geometria de apoios bastante heterodoxa: votos a favor do PCP, PEV e CDS; abstenção do PS e PSD; votos contra do BE e do PAN.

PCP conseguiu fazer aprovar resolução recomendan­do ao governo que reforce prevenção contra “o uso nocivo da canábis”

 ??  ?? PCP considera que a possibilid­ade do autocultiv­o abre caminho à legalizaçã­o do comércio para fins recreativo­s
PCP considera que a possibilid­ade do autocultiv­o abre caminho à legalizaçã­o do comércio para fins recreativo­s

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