Diário de Notícias

Funeral de Mário Soares é o guião para futuras exéquias de Estado

PROTOCOLO Estava praticamen­te tudo por fazer para responder à morte de um antigo Presidente. O último funeral de Estado tinha sido em 1951. Agora já há um modelo

- MIGUEL MARUJO

O guião para próximos funerais de Estado ficou estabeleci­do há um ano, com as exéquias de Mário Soares. O primeiro funeral de Estado em democracia e o primeiro desde a morte do antigo presidente Óscar Carmona – ainda na ditadura, em abril de 1951 – será agora o roteiro que órgãos de soberania e o Protocolo do Estado seguirão em momentos idênticos à morte de Soares, a 7 de janeiro de 2017, com eventuais alterações, dependendo das personalid­ades em causa e dos locais de sepultura, apurou o DN.

Um funeral de Estado, assim, “na sua essência tem a dignidade que uma liturgia republican­a e democrátic­a deve ter”, defende José Manuel dos Santos, antigo assessor e amigo de longa data de Mário Soares, que represento­u a família do antigo presidente nas reuniões de protocolo para as cerimónias fúnebres de há um ano. “E há uma margem para se fazer uma leitura mais personaliz­ada da vida da pessoa que morreu”, acrescenta.

O tema é sensível, mas alguém tinha de o pensar. E estava praticamen­te tudo por fazer. No mandato do Presidente anterior, Cavaco Silva, já se tinham iniciado alguns preparativ­os, como explica o embaixador Jorge Silva Lopes, num texto que acompanha o catálogo da exposição com 49 fotografia­s de 49 fotógrafos que cobriram há um ano as cerimónias fúnebres de Mário Soares, a que o DN teve acesso.

Silva Lopes conta aí que, há um ano, teve “a missão de dar continuida­de a um trabalho”, que por sua iniciativa “e com a atenção empenhada do então chefe do Protocolo do Estado, embaixador António Almeida Lima, havia iniciado cerca de três anos antes, no sentido de suprir uma lacuna resultante de ao longo da atual democracia portuguesa não se ter ainda vivido tal situação”.

“Foi feito um primeiro estudo sobre experiênci­as noutros países e apontava algumas coisas fundamenta­is mas não tinha ainda decisões concretas”, completa ao DN José Manuel dos Santos.

O embaixador Silva Lopes escreve que partiu da constataçã­o de que não havia, em Portugal, “um cerimonial para exéquias fúnebres de Estado e da consciênci­a da inevitabil­idade da sua futura necessidad­e”. “A raridade das fontes, quer legais (apenas o luto nacional está legislado) quer outras, era explicada pela sensibilid­ade do tema. Não obstante essa limitação, os documentos elaborados referiam algum historial quanto a precedente­s nacionais e estrangeir­os, identifica­vam os procedimen­tos a seguir (imediatos e subsequent­es), numa espécie de plano de ação, e apresentav­am propostas para o cerimonial que contemplav­am diferentes opções quanto aos locais e aos formatos dos vários atos.”

O último funeral com caracterís­ticas de funeral de Estado foi o do marechal Óscar Carmona, em 1951. Mesmo o de Salazar, em 1970, não teve essas caracterís­ticas. Já na democracia, a morte do primeiro-ministro em exercício, Francisco Sá Carneiro, em 4 de dezembro de 1980, mereceu luto nacional mas não houve lugar a funeral de Estado.

A partir daquela memória antiga e do que se faz lá fora, sobretudo nos países europeus, foi preciso adaptar as cerimónias à democracia. Silva Lopes releva o papel de José Manuel dos Santos, na preparação dessas cerimónias, também na procura de soluções “para os sucessivos desafios”. Sublinha o embaixador de Portugal na Croácia, “nesse trabalho foram sempre grandes objetivos honrar a memória de alguém de quem foi próximo colaborado­r e preservar a dignidade e a imagem do Estado”. Também ajudaram “as frequentes e profícuas missões preparatór­ias a todos os diferentes locais contribuin­do também para encontrar soluções que facultasse­m a participaç­ão de todos nas cerimónias”.

José Manuel dos Santos insiste que ficou encontrada a “matriz” do que serão as exéquias de Estado. Na altura, recorda, foi feito um balanço, no Ministério dos Negócios Estrangeir­os e daí se concluiu que “há duas ou três coisas que têm de ser afinadas”. E exemplific­a: “Se chover, não poderá ser nos claustros dos Jerónimos.” Mas, nota, “o essencial foi estabeleci­do, ficou adquirido”.

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Futuros funerais de Estado deverão ter os Jerónimos como cenário fundamenta­l, como aconteceu com as cerimónias fúnebres de Mário Soares

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