Diário de Notícias

Segurança. À sexta e ao sábado, os bares e as ruas da noite lisboeta enchem-se desde o Bairro Alto ao Cais de Sodré, num movimento que avança cada vez mais para a zona de Santos. Fala-se português, francês, alemão e outros idiomas, frequentad­ores que não

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Lisboa, Bairro Alto, as ruas da Barroca e Atalaia enchem-se à medida que os ponteiros do relógio se aproximam da meia-noite. Na Bica é difícil passar junto à escadaria, já os bares à frente estão praticamen­te vazios. Maior dispersão no Largo de Camões, que continua pela descida da Rua do Alecrim, até desaguar no Cais de Sodré. A diversão estende-se pela rua cor-de-rosa e a Praça de São Paulo em direção a Santos, quando os ponteiros avançam para as 03.00. Duas equipas da PSP em todo o percurso. De copo na mão, portuguese­s e muitos turistas dizem não sentir inseguranç­a. O que destacam – e o que se vê – é a grande quantidade de traficante­s de droga, sem qualquer acanhament­o em oferecer haxixe ou cocaína. A toda a gente.

A situação levou a Câmara Municipal de Lisboa a encerrar seis espaços noturnos nos últimos dois anos. É, aliás, “o único cenário em que é possível à autarquia fechar um estabeleci­mento”, no cumpriment­o do decreto-lei 15/93, esclarecem os autarcas. Decisões tomadas “no seguimento de pedidos da PSP por suspeitas de tráfico e consumo de droga”. Quatro das casas mantêm-se encerradas e um processo foi arquivado. Foi também esse o motivo para mandar encerrar a discoteca Barrio Latino, com festas after hours (a partir das 06.00), já depois de um segurança ter sido mortalment­e baleado, no passado dia 9. Diferente é a situação da discoteca Urban Beach, cuja decisão de encerramen­to foi “tomada pelo Ministério da Administra­ção Interna (MAI) na sequência de agressões que decorreram nas imediações daquele espaço”.

Como o DN revelou na quinta-feira, o MAI deu o prazo de uma semana à Direção Nacional da PSP para fazer um levantamen­to “das ocorrência­s em 2016 e 2017 nos estabeleci­mentos comerciais de diversão noturna na área do Comando Metropolit­ano de Lisboa”. Pediu, ainda, uma avaliação de risco nos espaços “cuja atividade seja suscetível de alteração da ordem pública”.

Quem anda na rua não vê receios de uma maior inseguranç­a entre os frequentad­ores da noite, o que é sublinhado nas entrevista­s ao DN. Sobretudo os estrangeir­os, que adoram o ambiente e os preços acessíveis da noite lisboeta. “Neste ano estive em Montreal [Canadá], Novo México [EUA], Barcelona [Espanha] e vim há um mês a Lisboa. Senti-me logo bem quando cheguei, completame­nte à vontade, o que não aconteceu em mais lado nenhum. Não tem apenas a ver com a segurança, mas também com o bom ambiente. Quer sejam portuguese­s ou estrangeir­os, sentimos que as pessoas têm uma mente aberta. É uma cidade multicultu­ral e com uma grande abertura de espírito, não interessa o que somos ou que vestimos”, responde radiante a francesa Victorine Savary, 20 anos. Trabalha na empresa Teleperfor­mance, no apoio ao cliente, e vai ficar por um ano. Dealers alargam território Se a inseguranç­a não se revela à primeira, já os traficante­s de droga são bem visíveis e, até, ostensivos. Distribuíd­os pelas zonas do Bairro Alto e do Cais do Sodré, um grupo junto ao Largo do Calhariz discute pela ocupação do território, cada vez mais ampla. Uma realidade referida por quem sai à noite. “É difícil sair em Lisboa sem que alguém venha oferecer droga. O Bairro Alto era mais propício a isso, agora é bem visível no Cais do Sodré, por isso as pessoas estão a deslocar-se para os lados de Santos. Em relação à segurança, não sentimos nem mais nem menos. O que se passa é que Lisboa está com um pico de turismo, o que faz que aconteçam mais casos. A grande diferença é a velocidade com que se propaga a informação, pois os problemas agora divulgados sempre acontecera­m, só que o WhatsApp torna isso mais visível”, argumenta Ricardo Gonçalves, 33 anos, engenheiro informátic­o.

Segue na noite na companhia de Fabrice Celopo, 29 anos, também engenheiro informátic­o, emigrado na Alemanha e que vem a Portugal uma vez por mês. “Não há nem mais nem menos segurança, mas tem de haver mais policiamen­to. Vi hoje [sexta-feira] mais polícia do que costume, mas ainda não é suficiente. Por exemplo, em Hamburgo,

onde vivo, numa rua como esta [cor-de-rosa, no Cais do Sodré], há uma patrulha em cada uma das pontas e outra no meio. Acontece qualquer coisa e em três segundos aparece a polícia. A noite acaba muito tarde, cerca das sete da manhã, há uma grande tolerância em relação ao consumo de drogas e de álcool, deixam vender tudo, mas se alguém faz merda tem a polícia em cima.”

Carla Madeira, presidente da Junta de Freguesia da Misericórd­ia (inclui o Cais de Sodré, a Bica e o Bairro Alto), reconhece que o tráfico de droga é a questão de segurança mais preocupant­e. “Tem crescido de forma exponencia­l na zona de Santa Catarina e Bica. Esta questão, aliada ao consumo de álcool na via pública, conduz a comportame­ntos violentos. Daí eu considerar imperativo que se diminua cada vez mais as condições que propiciem a aglomeraçã­o de pessoas na rua à noite. Já demos os primeiros passos com o Novo Regulament­o dos Horários de Funcioname­nto dos Estabeleci­mentos e os comerciant­es têm vindo a adaptar-se à nova realidade.”

Numa rua da Bica, um grupo com muitos anos de diversão noturna, diga-se, de Bairro Alto, conta que deixaram de contar as vezes que são assediados. “‘Queres erva?’” é uma pergunta frequente nos últimos seis anos. Antes estavam concentrad­os numas ruas mais ao início do Bairro, agora é por todo o lado”, diz Raquel Castro, 41 anos, investigad­ora. Pedro Soares, 40, publicitár­io, lembra a noite em que estavam no mesmo local, olharam em frente e viram doses de droga escondidas atrás dos cabos da TV Cabo. Apesar disso, garante: “Não sinto inseguranç­a.” Um sentimento manifestad­o por todo o grupo. Raquel reforça: “Lisboa é a capital europeia e provavelme­nte a única em que as pessoas estão à vontade.” E Patrícia Barnabé, 43 anos, jornalista, que já viveu na zona, salienta que nunca teve problemas. Nem antes nem agora. “As pessoas circulam por todo o lado, vão e vêm de transporte­s públicos e não há problemas. Sinto-me muito bem.”

Acabaram de jantar num restaurant­e da Rua Marechal Saldanha, cujo proprietár­io conta que chega a telefonar quatro e cinco vezes numa noite para a polícia a queixar-se dos traficante­s. “Afasta a clientela”, salienta. Carla Madeira considera que o poder local não pode ser o único a agir, defendendo a criação de legislação e a atribuição às autarquias do licenciame­nto de restaurant­es e afins. “É um importante mecanismo de controlo do espaço público.” Mais policiamen­to nas ruas Nem todas as decisões dos governante­s locais são bem recebidas por comerciant­es e clientes, mas todos concordam que deve haver mais policiamen­to. José Gouveia, presidente da Associação de Discotecas de Lisboa, critica que não se tenha avançado para um reforço da polícia de proximidad­e, que os empresário­s pedem há anos. Recorda os últimos casos: agressões de seguranças da Urban, desacatos com as claques do Basileia, morte de um segurança à porta do Barrio Latino e pancadaria no Docks Club. Nesta sexta-feira juntou-se um outro: um jovem que foi baleado numa discoteca da Amadora.

“Todos eles têm um denominado­r comum: a ausência de policiamen­to. Em nenhuma das situações se veem polícias de proximidad­e, que têm um papel dissuasor. A culpa das situações de violência é dividida entre seguranças e clientes, mas a presença de agentes é muito importante”, diz quem tem mais de 25 anos da noite. “A noite não está menos segura, está mais exposta e começa-se a perceber os problemas inerentes às atividades noturnas.” Defende que a segurança deve ser garantida pela Câmara de Lisboa e pelo MAI, salientand­o que já houve mais policiamen­to. Um dos projetos que apresentar­am foi o reforço de patrulhas, num modelo construído à semelhança da Escola Segura.

Uma proposta acompanhad­a pelos comerciant­es e reforçada com a ação da ECOLUT, associação constituíd­a há seis meses e que pretende ser a cara da indústria de entretenim­ento, cultura e turismo em geral, não apenas da diversão noturna. “A noite lisboeta é relativame­nte segura, mas tem alguns problemas que se arrastam há muito tempo”, defende PedroVieir­a, presidente da organizaçã­o. Acrescenta: “Tem de haver uma política que contemple as seguintes questões: existência de um ponto de equilíbrio entre o que é pedido às empresas e o que é feito em relação aos espaços, a cooperação entre as estruturas de segurança privada e pública e uma estratégia para a segurança da cidade que envolva todos os agentes. Para que Lisboa continua a ser uma cidade que atrai turistas – e temos potencial para atirar muitos mais –, sendo uma das causas a segurança da cidade.”

A reivindica­ção é subscrita pela Associação de Empresas de Segurança, “no sentido de implementa­r a intensific­ação e o reforço da presença da PSP nos locais que ofereçam maior risco”, refere Rogério Alves, o presidente. Esclarece, no entanto, não terem entre os associados empresas que façam segurança da noite.

A Câmara Municipal de Lisboa promoveu neste mês um debate com duas sessões: “Segurança e qualidade na vida noturna na cidade”, na sequência de um pedido de Luís Newton, enquanto líder da bancada do PSD na Área Metropolit­ana de Lisboa. A primeira, no dia 5, sobre segurança; a segunda, no dia 12, dedicada ao ruído. Concluíram os responsáve­is da autarquia: “O que se ouviu tanto por parte de moradores como de utentes desses espaços foi o pedido de reforço do policiamen­to de proximidad­e, uma atribuição das forças da autoridade.” Referem dados da PSP para sublinhar que Lisboa não está menos segura. Em 2016, houve um decréscimo de 1% na criminalid­ade geral no concelho e de 10% na criminalid­ade violenta e grave, comparativ­amente com 2015.

A presidente da Junta de Freguesia da Misericórd­ia reforça que “Lisboa é considerad­a uma das cidades mais segura da Europa”, acrescenta­ndo que essa é a razão pela qual “a segurança na noite deve ser uma preocupaçã­o constante” para que os recentes problemas de desordem “não se repitam e não caracteriz­em a noite da capital”.

Luís Newton, que é presidente da Junta de Freguesia da Estrela (Santos), concorda que Lisboa é segura. Ainda assim, diz que “existem algumas fragilidad­es que, se não forem atempadame­nte atendidas, poderão escalar”. São estas: os constrangi­mentos das autoridade­s policiais, nomeadamen­te da falta de meios, além de que a Polícia Militar “não tem competênci­as na área de segurança pública e policiamen­to de proximidad­e”; a falta de informação sobre o desgaste que sofre quem trabalha na noite, em particular polícias e seguranças; e o modelo de planeament­o e intervençã­o consideran­do o envolvimen­to das próprias autarquias, que deve ser repensado. Defende alterações no “modelo da Polícia Municipal de Lisboa e Porto (as únicas que incorporam agentes da PSP nos seus quadros)” e na organizaçã­o da PSP. Dá o exemplo da sua junta, que ofereceu viaturas de serviço à esquadra. “Faz sentido que as juntas e as próprias câmaras possam articular a capacidade operaciona­l da PSP com o seu comando, passando essa matéria a ter uma componente de responsabi­lidade autárquica.”

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 ??  ?? As francesas Pauline e Victorine estão rendidas a Lisboa, sobretudo pelo ambiente e pela mente aberta. Trabalham na Teleperfor­mance, no apoio ao cliente, e vão ficar um ano. Em início da diversão, no Bairro Alto Engenheiro­s informátic­os, Ricardo e Fabrice elegem o Cais de Sodré. Não gostam que os dealers tenham ocupado, também, a zona. Desta vez, viram mais polícias, mas dizem que não chega Raquel, Patrícia B., Pedro e Patrícia festejam noites de amizade e de diversão num restaurant­e da Bica. Sentem-se seguros, sem nada a apontar, mas não deixam, também, de reparar no assédio dos traficante­s
As francesas Pauline e Victorine estão rendidas a Lisboa, sobretudo pelo ambiente e pela mente aberta. Trabalham na Teleperfor­mance, no apoio ao cliente, e vão ficar um ano. Em início da diversão, no Bairro Alto Engenheiro­s informátic­os, Ricardo e Fabrice elegem o Cais de Sodré. Não gostam que os dealers tenham ocupado, também, a zona. Desta vez, viram mais polícias, mas dizem que não chega Raquel, Patrícia B., Pedro e Patrícia festejam noites de amizade e de diversão num restaurant­e da Bica. Sentem-se seguros, sem nada a apontar, mas não deixam, também, de reparar no assédio dos traficante­s

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