Duelo final entre Piñera e Guillier em que a vitória será da abstenção
Ex-presidente conservador e antigo jornalista de esquerda querem suceder a Bachelet. Na primeira volta só votaram 46,6% dos chilenos e na segunda a participação tende a baixar
SUSANA SALVADOR No boletim de voto para a segunda volta das presidenciais chilenas há dois nomes: Sebastián Piñera, o empresário milionário que já esteve na Casa Rosada entre 2010 e 2014 e agora quer voltar a pôr a direita conservadora no poder; e Alejandro Guillier, que foi durante décadas um dos principais rostos do jornalismo televisivo e que, depois de um mandato como senador, agora quer aprofundar as mudanças de esquerda a partir do mais alto cargo do país. Um deles sucederá a Michelle Bachelet a 11 de março, ainda que o real vencedor venha a ser a abstenção nas eleições de hoje.
Na primeira volta, a 17 de novembro, só 46,6% dos 13,5 milhões de eleitores foram votar e, tradicionalmente, o número tende a cair na segunda volta. Para tentar inverter a tendência, o governo fez campanha nas redes sociais para fomendisse tar a participação: “Neste 17 de dezembro, não deixes que uns poucos decidam. Participa para conseguir mudanças, para fazer ouvir a tua voz, para escolher o país que queres”, lê-se no Twitter do executivo. O voto deixou de ser obrigatório há seis anos.
Fora a abstenção, a vitória está em aberto. No Chile, as sondagens estão proibidas nas duas semanas prévias à eleição. Os últimos números davam um empate técnico entre ambos os candidatos, com ligeira vantagem para Piñera, do Vamos Chile (40% contra 38,6%). Mas as sondagens falharam na primeira volta e os analistas estão um pouco às cegas para a segunda volta. Para a Nova Maioria (no poder), a esperança é que Guillier, que teve 22,7% a 19 de novembro, consiga angariar todos os votos (20,3%) que Beatriz Sánchez conquistou para a Frente Ampla (esquerda radical). “Para que Guillier ganhe, precisa de 80% dos votos de Beatriz Sánchez”, explicou ao jornal El Clarin Roberto Izikson, da consultora Cadem, que fez a última sondagem. O problema é que, apesar de vários partidos que integram a Frente Ampla terem anunciado o apoio ao candidato da Nova Maioria, outros opuseram-se terminantemente a apoiar o homem que continuará com o legado de Bachelet (cuja popularidade não vai além dos 40%). Sánchez anunciou que votará em Guillier, depois de Piñera ter levantado suspeitas sobre fraude eleitoral na primeira volta, sem apresentar provas. “Isto
milhões de eleitores A participação eleitoral no Chile é uma das mais baixas do mundo. Dos 13,5 milhões de eleitores, só 46,6% votaram na primeira volta. passa do limite, por isso decidi votar contra Piñera. O meu voto será para Guillier”, afirmou.
A soma dos votos de ambos seria suficiente para ultrapassar a percentagem que o ex-presidente teve na primeira volta (36,6%), muito aquém do que lhe davam as sondagens (à volta de 45%). Para conquistar o voto mais à esquerda, o antigo jornalista contou com outro apoio importante: José Mujica, o ex-presidente do Uruguai que é atualmente a maior estrela da esquerda latino-americana, esteve no último comício de Guillier.
“Com sondagens pouco rigorosas, criou-se a ideia de que o governo de Bachelet não tinha apoio, que o triunfo da direita ia ser avassalador”, contou Ernesto Águila, da Faculdade de Filosofia e Humanidades da Universidade do Chile, ao El País. “Mas a primeira volta revelou uma maioria de centro-esquerda que quer mudanças profundas. O problema é articular essa maioria”, o analista. “Se Guillier ganhar deveria governar com um modelo à portuguesa, porque a Frente Ampla não vai entrar no governo.”
Uma reforma eleitoral implica que o número de deputados passa de 120 para 155 e haverá 17 partidos representados no Parlamento eleito a 17 de novembro. A entrada em cena da coligação Frente Ampla, que elegeu 20 representantes, acaba com a dicotomia entre a Nova Maioria (43 deputados, só quatro deles do Partido Radical Social-Democrata de Guillier) e Vamos Chile (72, dos quais apenas 15 da Renovação Nacional de Piñera). “Nenhum dos candidatos tem maioria no Congresso. Será mais difícil alcançar acordos políticos”, disse o chileno Rodrigo Cuevas, do Instituto GIGA de Estudos Latino-Americanos, com sede em Hamburgo, à Deutsche Welle. E virtualmente impossível conseguir as maiorias para as reformas políticas profundas.
Guillier prometeu ir mais longe do que Bachelet a nível das reformas da educação e do trabalho, assim como a realização de um plebiscito em 2018 para reescrever a Constituição herdada dos anos Pinochet (1973-1990). Já Piñera, que quer tornar o Chile no primeiro país da América Latina com o estatuto de “país desenvolvido” da OCDE, prometeu cortar nos impostos às empresas para aumentar o investimento. Ambos os candidatos querem uma “opção pública” para o tradicional sistema de pensões privado que existe atualmente.