Parece que há um dérbi Norte-Sul nesta nossa Europa
Os países do Norte ganham dinheiro para os do Sul se endividarem. Enquanto os primeiros trabalham e estudam e se ocupam quase exclusivamente do que pode produzir alguma coisa – nem que seja conhecimento –, os outros levam a vida muito pouco a sério, aproveitando cada feriado para fazer uma ponte, usando cada raio de sol como desculpa para transformar uma reunião de negócios num almoço de três horas na esplanada mais próxima. E se uns povos fazem exercício, cuidam da alimentação e reduzem ao mínimo os potenciais riscos para a saúde, outros abusam das gorduras, do sal, do açúcar, do café, fumam e bebem e arriscam-se a ser a ruína dos respetivos serviços nacionais de saúde.
Sessenta anos passados sobre o primeiro esboço da União Europeia, é este género de temas que se discute, em jeito de dérbi – com muito mais emoção do que razão. O interesse sobre as consequências do brexit esmorecido para nos inflamarmos, cada um com seus argumentos e razão inabalável, com a frase de Dijsselbloem sobre os europeus do Sul. O risco associado aos movimentos populistas que ganham força em toda a Europa obliterado pela sugestão do comissário da Saúde de que devia ser proibido fumar em espaços públicos ao ar livre como praias ou jardins – tonta e excessiva, é certo, como todos os impulsos antitabagistas que tratam os fumadores como criminosos mesmo que fumar seja absolutamente legal (mas não é isso que está aqui em discussão). O drama dos refugiados, o perigo do terrorismo, a necessidade de partilhar mais informação para subir os níveis de segurança, as fronteiras, a moeda única, a economia a várias velocidades ou mais solidária, com quem mais pode a puxar pelos mais fracos... tudo isso esquecido assim que há ecos de mais uma afirmação tonta, tornada ofensa por aqueles que enfiam o barrete.
Seremos assim tão diferentes nesta União que construímos? Não haverá realmente forma de encaixarmos e tirarmos partido do que cada um dos 27 Estados membros e respetivos cidadãos podem trazer de valor acrescido se trabalharem para um mesmo fim de juntos nos tornarmos mais fortes?
A verdade é que há muito que nos separa cá dentro, mas muito mais nos une neste espaço comum. E basta um breve contacto com povos de qualquer outro continente ou zona do mundo – até mesmo nesta velha Europa, além das fronteiras comunitárias – para escancarar a identidade europeia como um todo, feito com raízes profundas, ainda que os ramos cresçam depois em direções distintas.
E no entanto, infelizmente, continuamos a perder tempo a debater as nossas diferenças – entre os governantes, os deputados, os políticos e os decisores em geral, essa falta de foco é tão incompreensível quanto absurda – em vez de aproveitarmos esse ânimo e essa paixão para traçarmos o que queremos desta coligação de Estados e como podemos contribuir para lá chegar.
É este o momento em que temos de estar mais unidos do que nunca.