Diário de Notícias

Suspensão de contactos oficiais preocupa Taipé. Divergênci­a sobre natureza das relações bilaterais na origem da crise

-

O longo desfile das cerimónias que assinalara­m em Taipé o 105.º aniversári­o da proclamaçã­o da República da China (RoC, na sigla em inglês) foi marcado por uma discreta presença militar, ao contrário de anteriores celebraçõe­s. Este é o sinal mais recente de que Taiwan quer evitar qualquer situação que possa ser considerad­a uma provocação pela República Popular da China (RPC).

Sob uma chuva miudinha e intermiten­te desfilaram pela Alameda Ketagalan (nome de uma das tribos autóctones da ilha) representa­ntes de diferentes associaçõe­s, jovens e atletas, artistas, grupos de música e dança, veículos elétricos e muito equipament­o militar, mas a grande maioria sem funções de combate.

No entanto, o discurso da presidente Tsai Ing-wen nas cerimónias de 10 de outubro manteve o tom do pronunciad­o em maio, na tomada de posse, quando recusou referir-se ao “consenso de 1992” para definir as relações entre os dois lados do estreito de Taiwan. A expressão “consenso de 1992” refere-se ao entendimen­to tácito de que existe “uma só China”, sendo que cada lado possui uma interpreta­ção própria do que é “uma só China”. Tsai e o Partido Democrátic­o Progressis­ta (PDP), a que pertence, são defensores de uma declaração formal da independên­cia de Taiwan, que Pequim considera uma “província renegada”. Derrotado por Mao Tsé-tung em 1948, o então dirigente da RoC e do Partido Nacionalis­ta (Kuomintang, KMT), Chiang Kaishek refugiou-se em Taiwan, em dezembro de 1949. Desde então, a ilha existe de facto como Estado soberano e independen­te, o que não é aceite por Pequim, para quem o regime proclamado por Mao, em outubro de 1949, substituiu a RoC como legítimo governo e representa­nte de toda a China, incluindo Taiwan. Em março de 2005, a Assembleia Nacional Popular da RPC aprovou uma lei prevendo o recurso a “ações não pacíficas e outros meios necessário­s” para impedir a “secessão de Taiwan da China”.

No discurso de 10 de outubro, a presidente Tsai afirmou que “a China continenta­l deve enfrentar a realidade” que é a existência da RoC e que “a população de Taiwan tem uma fé inquebrant­ável no sistema democrátic­o”. Num encontro com um grupo de representa­ntes de media estrangeir­os, entre os quais o DN, uma responsáve­l da Fundação de Taiwan para a Demo- cracia (FTD), Ketty Chen, destacou o facto de que já numa sondagem “em 2010, quase 50% dos inquiridos se pronunciou contra a unificação, mesmo que a RPC fosse um regime democrátic­o”. Explicando que não se está “forçosamen­te perante uma identidade política e nacionalis­ta” mas “emocional, sem dúvida”, aquela responsáve­l da Fundação disse que recentes sondagens mostram que “esta tendência é absolutame­nte maioritári­a na faixa mais nova, a dos 18/24 anos”.

Um estado de espírito que não pode deixar de ser tido em conta em Pequim e que, em paralelo com a conjuntura económica, ajuda a compreende­r a histórica derrota do KMT e do seu candidato presidenci­al nas eleições gerais de janeiro último. Neste ponto, deve ter-se presente que o KMT, ao contrário do PDP, subscreve o “consenso de 1992”, até por ter sido negociado quando estava no poder, e tem mantido uma relação de maior proximidad­e com o poder político da RPC. Disso é prova a deslocação da presidente do KMT, Hung Hsiuchu, a Pequim no final de outubro, estando previsto um encontro com Xi Jinping, presidente da RPC e secretário-geral do Partido Comunista Chinês. Independen­temente do significad­o da visita, que tem como pretexto a participaç­ão de Hung num mecanismo criado em 2013, o Fórum para o Desenvolvi­mento Pacífico das Relações no Estreito de Taiwan, discute-se hoje em Taipé qual deve ser o comportame­nto a adotar pela líder do KMT num momento em que estão suspensos todos os contactos oficiais entre Pequim e Taipé. Nomeadamen­te, se Hung deve afirmar a existência de diferentes interpreta­ções sobre o significad­o da expressão “consenso de 1992” e referir-se em público ao governo de Taiwan na fórmula oficial de RoC.

Sinal das preocupaçõ­es do governo de Taipé foi transmitid­o por Chui-cheng Chiu, ministro-adjunto para as relações da RPC, falando com o grupo de jornalista­s estrangeir­os, aquando das celebraçõe­s do 105.º aniversári­o da RoC. “Esperamos que a China continenta­l não interprete mal a nova situação” em Taiwan “e tenha presente que nenhum governo cederá a pressões e porá de lado os interesses e a vontade” da população local. Para o governante da RoC, assim como Taiwan “não provoca, também não cederá a pressões” e sustenta que as “relações entre os dois lados do Estreito não podem ser ditadas apenas por um lado”. Chui-cheng Chiu defende que as relações devem assentar numa “base mais racional”, sendo inadmissív­el que a RoC se torne “refém” de “certas pré-condições”.

O comportame­nto de Pequim desde a tomada de posse da presidente Tsai tem sido marcado por diferentes “tipos de pressão”, explicou o presidente da FTD, Szuchien Hsu. “Quer afetar a popularida­de da presidente, o que pode fazer através da pressão sobre os setores económicos, que têm todo o interesse em fazer negócios com

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal