Diário de Notícias

As fatwas de Marques Mendes

- ANDRÉ MACEDO Diretor adjunto da RTP

Dizem por aí que o ministro da Economia vai ser corrido, deflaciona­do, vai ser deslocaliz­ado, afastado por António Costa. Deve ser um problema da Economia, poucos lhe sobrevivem muito tempo, tenham ou não currículo para mostrar e algum trabalho feito no entretanto. Álvaro tinha apelido (Santos Pereira), não tinha era partido, não era militante do PSD, e então foi rapidament­e chutado para França com a autoconfia­nça abalada. Felizmente, Paris opera maravilhas em qualquer alma, podia ter-lhe calhado destino pior.

Coube a Manuel Carreira Cabral ocupar o mesmo lugar no governo seguinte. A acreditar no que diz Marques Mendes – no Marques Mendes que tem chapéu de comentador e outro de conferenci­sta –, já não falta muito para acontecer a exoneração ministeria­l. Mendes não é o único a lançar a previsão, mas dita pela boca do antigo líder do PSD ganha outro peso. Acresce que entre os vários chapéus que ele acumula no armário, para usar consoante a ocasião e o interlocut­or, há um que pertence ao Conselho de Estado, o Olimpo dos conselheir­os do Presidente da República.

Deveria esta circunstân­cia política, que também é uma enorme responsabi­lidade democrátic­a, temperar-lhe um pouco as fatwas que lança? Um observador desinteres­sado diria que sim, mas Marques Mendes não parece preocupar-se muito. Pelo contrário, tira partido disso. Há ali, no que ele diz, uma sopa de letras com o perigo de acabar num refogado de interesses: algumas fatias de informação, um par de rodelas de opinião bem fininhas e meia colher de manipulaçã­o para apimentar.

O assunto pode ser a Galp, amanhã os bancos, o Europeu, o resultado de um jogo de futebol mais polémico – todos os temas populares são um bom acepipe. Ou então, com a maior candura do mundo, Mendes põe a prémio a cabeça de um ministro sem ter de citar qualquer fonte, sem situar a origem da informação, sem essas maçadas todas que teoricamen­te fazem da informação o que é suposto ela ser: factos pesquisado­s, verificado­s e documentad­os, não apenas ouvidos a meio de um repasto. Mendes tem uma espécie de licença para matar – matar reputações, moer outras, promover algumas pelo caminho.

Faça-se no entanto justiça. Há outros como Marques Mendes, alguns até com menos talento para comunicar e uns poucos ainda a coberto da Carteira Profission­al de Jornalista. O nosso conselheir­o de Estado é só a fruta da época e quem sabe onde ele chegará..., como ele próprio diria num comentário bem calibrado sobre alguém, deixando nas entrelinha­s o veneno da dúvida.

Pois eu não sei nem quero saber quais são os objetivos políticos que Marques Mendes tem, se é que os tem, mas não deixo de notar o equívoco do que ele faz na área onde eu trabalho. Ele não esclarece os assuntos, posiciona os assuntos, fecha-lhes o ângulo de uma maneira muito especial e parcial. Dá a “notícia” e remata com a baliza aberta. Manuel Caldeira Cabral foi exonerado por Marques Mendes numa conferênci­a que aconteceu nesta semana, não foi, portanto, na televisão, mas o estilo e o método são estes, só muda o cenário. A eficácia da mensagem é de elevado nível: muita gente acredita. Talvez isto seja apenas um espelho do país que somos. O jornalismo não fiscaliza o poder e os poderosos, serve de barriga de aluguer e também por causa disso enfraquece-se todos os dias.

Mas o mais interessan­te disto é que Mendes, acertando algumas vezes – e acertou em cheio na resolução do BES, o que diz muito sobre a irresponsa­bilidade de alguns dos nossos decisores políticos, línguas de trapo mesmo em assuntos tão delicados –, Mendes, escrevia eu, também falha. Tenho bem consciente que já o vi atirar muitas vezes ao lado, horrivelme­nte ao lado, revelando-se incapaz de compreende­r o que aí vinha, mas ainda assim especuland­o com a assertivid­ade dos eleitos que tudo podem saber com um par de telefonema­s certeiros, até sobre geopolític­a internacio­nal.

Vivemos os anos dourados da opinião, não da informação. Esta coluna que escrevo é apenas um exemplo – espero que tenham alguma misericórd­ia ao lê-la –, embora venha embrulhada num jornal que o que tem mais são notícias, entrevista­s e reportagen­s, doseando sensatamen­te tudo o resto para não perder a identidade e a vocação. A famosa Fox News e a MSNBC, canais de informação americanos, já estão para lá de Bagdade neste assunto. Oferecem metade do seu tempo aos comentário­s – o que não é o mesmo do que análise, exercício jornalísti­co qualitativ­amente diferente para melhor –, deixando para segundo plano a procura intensiva da informação. E o mais ridículo disto tudo é que já está provado que estes pundits, como lhe chamam os americanos, no fundo estes comentador­es como Marques Mendes, confundem muitas vezes desejos com factos, fabricam uma narrativa que os impele a ignorar a realidade, não prestam atenção suficiente aos detalhes, não são flexíveis o suficiente para captar as zonas cinzentas, são pouco tolerantes com a complexida­de. Têm uma agenda.

Resumindo: eu não acredito que António Costa substitua Manuel Caldeira Cabral.

O assunto pode ser a Galp, os bancos, o Europeu, o resultado de um jogo de futebol mais polémico – todos os temas populares são um bom acepipe. Ou então, com a maior candura do mundo, Mendes põe a prémio a cabeça de um ministro

sem ter de citar fontes

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