Entre a Torre e os Jerónimos. A onda dos turistas
As filas para os Jerónimos e a Torre formam-se logo de manhã e duram... Quem não quer esperar contenta-se com as fachadas, deambula pelos jardins, senta-se nos relvados e esplanadas, ou vai até aos museus próximos. E os turistas não param de chegar
Pouco passa das 10.00, mas à porta do Mosteiro dos Jerónimos já se vê uma fila compacta em espera paciente, quase alegre – afinal, são férias, não é? E depois aquele é um dos monumentos obrigatórios da cidade: um magnífico hino em pedra, que está em todos os roteiros e circuitos. A espera há de valer a pena, parecem dizer os rostos sorridentes. Mais tarde alguns dos visitantes, como Amina e Naima, duas amigas marroquinas, hão de confirmar isso mesmo, satisfeitas: “Sim, sim, valeu a pena, é lindo”.
A hora ainda é de pouco calor e Belém já está transformada numa romaria, com gente que se movimenta em todas as direções, falando uma babel de línguas, algumas de sons misteriosos. E os turistas continuam a chegar.
Vêm em grandes grupos, em autocarros que os despejam na Praça do Império, com os guias de braço no ar, a dar instruções. Ou saem aos três e quatro, com carrinhos de bebés e crianças pequenas, na paragem do 15, o elétrico de linhas modernas que parte da Praça da Figueira e faz a beira-rio até Algés.
De calções e T-shirts, vestidos leves e óculos escuros, chapéus na cabeça, sandálias ou ténis, mochilas a tiracolo, mapas na mão e nariz no ar, os visitantes chegam em torrentes, e dispersam-se por toda a zona de Belém, entre o Museu dos Coches e o Museu da Eletricidade de um lado, e a Torre de Belém, no outro. Caminham entre os museus e monumentos, ou concentram-se em longas filas para entrar, sentam-se pelo chão, nos relvados, ocupam as esplanadas e vão até à beira-rio, comem gelados ou bebem um refresco, abrigam-se nas poucas sombras das árvores e das paredes dos edifícios.
A pé, de caleche e de segway
Muitos preferem evitar as esperas e vão direitos às caleches puxadas por cavalos da QTour, que aguardam frente aos Jerónimos e que, num circuito pachorrento de 20 a 25 minutos passam junto a quase tudo o que há para ver: Jerónimos e Museu dos Coches, os jardins da Praça do Império, os pastéis de Belém com a inevitável fila à porta, o jardim tropical lá atrás, o alto das torres do Palácio da Ajuda mais em cima, o CCB, a cúpula do Planetário, o Museu da Marinha...
“Às vezes, as pessoas dizem-nos que também gostariam de ir à Torre de Belém, mas não é possível incluí-la no circuito por causa da linha do comboio”, explica Rui Quintino, antigo campeão de competições de carros de cavalo e proprietário da Qtour, cujos cavalos e caleches já fazem parte da paisagem em Belém.
Há quem aproveite o aluguer de segways junto ao Padrão dos Descobrimentos para evitar a caminhada até à Torre, até porque a certa altura o sol aperta. Mas, na Torre, a fila também já se alonga, e parece que está para durar, mesmo à torreira do sol.
Por isso, muitos ficam só a olhar aquele estranho edifício que sai das águas e, de telemóveis e máquinas fotográficas em punho, atiram-se às selfies com a família, os namorados e as namoradas com a torre em fundo, ou pedem a companheiros de passeio que lhes tirem a tão desejada foto – afinal, aquele é outro postal obrigatório de Lisboa.
Joaquim Gonçalves, que emigrou menino para França e está agora de férias em Portugal com o filho, Thibault, para lhe mostrar Lisboa, foi um dos que olhou para a multidão junto à Torre e desistiu. “É muito pessoal, já vimos por fora”, diz filosófico.
Thibault, 33 anos, concorda. Quase não fala português – “nada”, diz ele com um sorriso tímido – mas percebeu tudo. Joaquim pouca oportunidade teve de falar a língua materna com ele – “casei com uma francesa”, justifica –, mas pai e filho já antes tinham vindo juntos a Portugal, à Guarda, onde ainda têm duas casas.
Desta vez, Joaquim quis mostrar-lhe Lisboa. Foram ao Parque Eduardo VII, desceram a Av. da
Liberdade, estiveram na Praça do Comércio e agora Belém. Thibault vai voltar? “Absolutamente”, responde o jovem sem hesitar. “Da próxima, quero ir ao Porto.”
A Torre achou-a bonita. “É uma arquitetura muito portuguesa”, nota, por sua vez, Joaquim. “Em Malaca, nos confins do mundo, vi este tipo de construção”, conta satisfeito. Antigo técnico de competição de motos da Michelin – agora está reformado, mas continua a viver em Clermont-Férrand, perto de Lyon – Joaquim Gonçalves correu mundo com as competições e foi “numa dessas viagens” que passou por Malaca. Agora, vista a Torre, pai e filho seguem para os Jerónimos e, lá mais para a noite, hão de ir aos fados, a Alfama. Peter, que veio de Dusseldorf , na Alemanha, com a mulher, Dana, e a filha Sophie, também não quer perder tempo em filas. Esta família alemã só está três dias em Lisboa – daqui, vão duas semanas para o Algarve. Já foram à igreja dos Jerónimos e ficaram “impressionados” com a “bela fachada”. Na Torre de Belém, desistiram de entrar – “dizem-nos que é mais bonita por fora”, justifica Dana. E já fizeram, claro, as fotografias da praxe. Agora, vão seguir viagem, de regresso ao centro da cidade, com o guia que os trouxe no tuk-tuk, David Fernandes. Mas ainda têm tempo para dizer que “estão a adorar”. “As pessoas são muito simpáticas e a gastronomia é maravilhosa”, elogia Sophie.
O guia conta que lhes mostrou “o Jardim Botânico e o Palácio da Ajuda” e que assinalou “todos os monumentos com interesse” na área, e lhes contou “as histórias” e as curiosidades. Sobre a multidão que invadiu Belém esta manhã, David Fernandes admite que começam a “ser pessoas a mais”. “Nunca tinha visto uma fila tão grande como a de hoje nos Jerónimos”, confessa. “Talvez seja por estarmos em agosto.”
A caloraça que se pôs, e que torna agora penosa qualquer pequena caminhada ali, essa, é com certeza de agosto. Mas, a família alemã, por exemplo, não se importa nada. “Para nós, é ótimo.” E nas filas para os monumentos, todos aqueles indefetíveis que não arredam pé, parecem pensar exatamente o mesmo.