Como o melancólico John Soane fez da casa labirinto
De um sarcófago egípcio a bustos romanos ou quadros de J. M. W. Turner, Sir John Soane, um dos grandes arquitetos ingleses e ávido colecionador, construiu um museu sobre o que outrora foi a sua casa e as suas feridas de família. Daquele edifício outrora r
Onúmero 13 de Lincoln’s Inn Fields, em Londres, podia passar por um qualquer edifício residencial, assinado por um qualquer arquiteto. Podia sê- lo. Não contasse o seu interior 5888 artefactos e antiguidades egípcias, gregas e romanas, entre elas um sarcófago egípcio, 495 esculturas, 30 objetos naturais – de fósseis a gatos mumificados –, 331 pinturas ou desenhos e 7783 livros.
Uma vez atravessada a porta de entrada tem- se a impressão de ter entrado no coração da intimidade de uma qualquer história que inicialmente nos escapa. Onde a aparente simplicidade e neutralidade exteriores contrastam fortemente com o interior carregado, iluminado como um mosteiro gótico e ensombrado por algo que, inicialmente, não nos é dado a ver. Não será exagerado chamar- lhe um dos segredos mais bem guardados da capital inglesa. Como o não será dizer que a casa de Sir John Soane, um dos mais importantes arquitetos britânicos dos séculos XVIII e XIX, conta a história de um melancólico colecionador que fez da sua casa um labirinto encantado.
John Soane começou em 1782 a reconstruir os números 12, 13 e 14 daquela rua onde se faz fila à entrada do número 13, entrada do Sir John Soane’s Museum. Destinado a ser a casa de família dos Soane, a mulher Eliza ali viveu apenas dois anos, morrendo em 1815. Conta a história que a mulher de Soane, que morreu de doença cardíaca, terá na verdade morrido de desgosto causado pela conduta do filho mais velho, George. John Soane dava então início àquela que ficar i a para a história como a sua maior obra. Em 1833 o arquiteto levava o caso ao Parlamento britânico para garantir que, após a sua morte, a casa tornar- se- ia propriedade do Estado na condição de que tudo ficasse como houvera sido deixado. E ali está.
À entrada, a primeira sala que encontramos é a de jantar, com o retrato de Sir John Soane pintado aos 76 anos por Sir Thomas Lawrence. Mas não se fará uma visita guiada. Seria preciso um mapa para traçar com acuidade o desenho das salas da casa. Pois de repente viramo-nos e, numa pequena passagem, topamos com outros quaisquer visitantes que julgámos ver ao l onge. E, como se de uma igreja se tratasse, todos sussurram.
Na sala das pinturas, os quadros pendurados têm de ser movidos, como um livro na parede onde a página seguinte é outro quadro, e de- pois outro. Ali estão séries de William Hogarth ou Riva degli Schiavoni de Canaletto. Isto sem contar com os quadros que estão espalhados pela casa, como a série Kirkstall Abbey de J. M. W. Turner – amigo de Soane –, desenhos de Piranesi, de quem era grande admirador, ou os quadros que encomendava ao amigo Joseph Michael Gandy, onde este retratava as obras arquitetónicas de Soane imaginadas em ruínas.
Na Câmara Sepulcral, em baixo, está o sarcófago egípcio do rei Seti I ( cerca de 1290 A. C.), que adquiriu depois do British Museum o recusar em 1823. Também ali está uma réplica da apaixonada lápide que fez para a sua mulher. Nas escadas para o espaço a que Soane chamou Saleta do Monge vê- se a janela que dá para o túmulo que construiu para a cadela. “Alas, poor Fanny!” (“ai, pobre Fanny!”), lê- se na inscrição. Num dos corredores cruzamo- nos com um enorme capitel do templo de Castor e Pólux, do Fórum Romano. E urnas romanas. E quadros. E bustos. E, como qualquer labirinto, não acaba.
O Sir John Soane’s Museum guarda 5888 artefactos e antiguidades egípcias, gregas e romanas e 331 pinturas e desenhos