“Dinheiro para comprar casa veio do meu ordenado como advogado”
Antigo procurador- geral paquistanês, que comprou o apartamento de José Sócrates por 675 mil euros, garante ao DN que as transações feitas para Portugal não envolveram pagamentos em dinheiro vivo
O antigo procurador- geral do Paquistão negou, em declarações ao DN, ter feito qualquer tipo de operação bancária suscetível de configurar um crime de branqueamento de capitais quando, no dia 6 deste mês, comprou a casa do ex- primeiro- ministro José Sócrates: “Não há branqueamento de capitais. O dinheiro investido vem da minha atividade como advogado”, disse, por e- mail, Makhdoom Ali Khan, 61 anos, agora advogado paquistanês. Na mesma declaração enviada ao DN, o antigo procurador- geral paquistanês acrescentou ainda que “os bancos foram informados de que o dinheiro seria enviado para Portugal para a aquisição de um imóvel. Todas as transações foram feitas entre bancos. Não houve pagamentos em dinheiro vivo”.
Foi um alerta de vários bancos que está a levar a Polícia Judiciária a recolher informações sobre a origem dos 675 mil euros que José Sócrates recebeu pelo seu apartamento na Rua Braamcamp, em Lisboa. O comprador foi o ex- procurador geral do Paquistão Makhdoom Ali Khan, que mobilizou fundos do exterior para comprar o imóvel. O caso não deu origem à abertura de um inquérito- crime, mas está a ser analisado pela Unidade de Informação Financeira da Judiciária, entidade que, normalmente, recebe as comunicações dos bancos sobre transferências internacionais suspeitas.
De acordo com uma fonte próxima do negócio, Makhdoom Ali Khan, atualmente a exercer advocacia na cidade paquistanesa de Karachi, antes de se decidir pelo apartamento de José Sócrates, viu uma série de opções em Lisboa. O ex- procurador- geral do Paquistão, segundo a mesma fonte, vai, de facto, candidatar- se à atribuição de um visto gold. Porém, “só uns dias antes do negócio se concretizar” é que Makhdoom Ali Khan soube que estava a comprar a casa do ex- primeiro- ministro português, atualmente preso preventivamente em Évora por suspeitas de corr upção passiva, f raude f i scal e branqueamento de capitais. Makhdoom Ali Khan disse ainda ao DN que os pagamentos ao vendedor e às agências imobiliárias “foram realizados através de cheques”.
Ainda de acordo com a mesma fonte ouvida pelo DN, Sócrates e o antigo procurador- geral do Paquistão não se conhecem. “Eles nunca tiveram qualquer tipo de contacto”, garantiu ao DN o mesmo interlocutor, que acompanhou o negócio da venda da casa. Seja como for, até a Judiciária encerrar o processo de análise sobre a origem dos fundos ou se for aberto um inquérito- crime, uma vez que se considerou existirem indícios suficientes, a concessão do visto gold fica suspensa.
Makhdoom Ali Khan, 61 anos, foi procurador- geral do Paquistão entre 2001 e 2007. Segundo a nota biográfica publicada no site da sociedade de advogados Fazleghani Advocates, a sua especialidade é a arbitragem, tendo participado em várias reformas legislativas do seu país no sentido do reconhecimento daquela forma de disputa de litígios. Foi também professor de direito comercial, constitucional e direito internacional público em Inglaterra e também na Universidade de Karachi, no Paquistão.
Como procurador- geral, Makhdoom Ali Khan acompanhou de perto a crise de março de 2007, quando o então presidente do Paquistão, o general Pervez Musharraf, decidiu afastar o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, depois de este ter alertado que a Constituição paquistanesa não permitia que o presidente seja reeleito antes das eleições legislativas ( previstas para ofinal de 2007), contrariando a pretensão de Musharraf, que desejava ser reconfirmado pelo Parlamento ainda antes do ato eleitoral.
O governo de Musharraf alegou que o juiz tinha usado a sua posição para conseguir privilégios indevidos e conseguir a nomeação de um dos seus filhos para um alto cargo na polícia. Porém, a instância judicial máxima paquistanesa ordenou ainda, por dez votos contra três, o arquivamento das acusações por falhas profissionais e abuso de poder, invocadas pelo general Musharraf para justificar a suspensão do magistrado, que tinha avisado ainda que o general deveria abandonar até ao final do ano a chefia do Estado- Maior das Forças Armadas, um cargo determinante que acumulava com a presidência desde o golpe de Estado que o colocou no poder, em outubro de 1999. Na sequência deste caso, Makhdoom Ali Khan teve de defender a posição do governo junto do Supremo Tribunal, acabando por, no final do processo, pedir a sua demissão. Junto do Supremo paquistanês, o ex- procurador- geral defendeu ainda alguma teses progressistas, como o direito de uma mulher adulta se casar sem o consentimento de um homem.