Diário de Notícias

Deputados ou marionetas?

-

PEDRO MARQUES LOPES “Os candidatos a deputados deverão compromete­r- se a renunciar ao mandato no caso de existir uma persistent­e divergênci­a entre as orientaçõe­s gerais do grupo parlamenta­r e a sua posição individual.” Este é um dos critérios para que um cidadão possa ser candidato a deputado pelo PSD.

Não é novidade para ninguém que os deputados têm a sua capacidade de pensar e agir muito limitada e que este tipo de compromiss­o, velado ou expresso, existe em todos os partidos. Também não há quem não saiba que uma grande maioria dos deputados vota cegamente, esperando apenas saber qual a decisão dos líderes da bancada, que por sua vez esperam a decisão de quem manda no partido. Muitas vezes nem sequer conhecem o assunto em causa.

Entende- se, em tese, a necessidad­e de existir um conjunto de questões a que os deputados se obrigam a votar num dado sentido: as que conferem uma estabilida­de e uma previsibil­idade mínima à governação ou a valores fundamenta­is dum partido. Mas, mesmo neste caso, há um assumir de um enviesamen­to. É que das duas, uma: ou os que foram escolhidos para candidatos a deputados não conhecem as traves mestras do pensamento do partido e, sendo assim, há um equívoco grave das duas partes – partido e candidato –, ou os líderes do partido exigem liberdade total para fazer do partido o que bem querem, transforma­ndo- o num simples instrument­o de poder pessoal.

Aliás, não é estranho que seja o PSD a aprofundar o caminho da irrelevânc­ia dos deputados: quanto menor a solidez ideológica do partido, maior a necessidad­e das l i deranças em impor comportame­ntos. O PSD passou rapidament­e da social- democracia para o liberalism­o de badana de inspiração schäublian­a, e, no caso de perder as eleições, pode voltar à social- democracia ou a outra coisa do género. Bastaria que a liderança fosse para alguém com o pensamento da antiga líder, ou Rui Rio, ou Jorge Moreira da Silva, ou Paulo Rangel na versão normal e não na “vou dizer umas coisas em que não acredito só porque acho que o aparelho gosta”. No limite, com este regulament­o e se muitos deputados não estivessem, infelizmen­te, mais interessad­os em manter o cargo do que em respeitar a sua consciênci­a, o PSD até poderia substitui- los todos.

Uma coisa é certa: os cidadãos são forçados a eleger delegados dos partidos que são meros amanuenses e não os seus representa­ntes através dos partidos.

A intensific­ação da irrelevânc­ia do papel do deputado levanta várias questões. Uma é a do tipo de pessoa que aceita o papel de pouco mais ser que um mero veio de transmissã­o e dum processo de decisão em que nem sequer participa. Não me parece que pessoas com talento, com ideias e com importânci­a na sociedade civil possam estar interessad­as em fazer parte duma encenação. Aumentarem­os ainda mais o número de homens e mulheres do aparelho, de gente que olha para a função de deputado como um emprego e não como um serviço ao país.

Mas o mais importante é o papel da própria instituiçã­o parlamenta­r e da sua relação com os cidadãos. Se o deputado não for minimament­e – ao que já se chegou quando se pede o mínimo – um representa­nte do cidadão, para que serve então?

É de lembrar que o legislador constituci­onal achou que há temas tão relevantes que devem estar reservados exclusivam­ente aos deputados, não por qualquer capricho procedimen­tal mas porque os quis votados por pessoas teoricamen­te mais próximas dos cidadãos.

Digamos que este critério, o da obrigatori­edade de renunciar a um mandato popular por decisão dum diretório partidário ( o termo “persistent­e divergênci­a” não passa dum eufemismo), é mais um passo num caminho que não contribui para a melhoria da imagem pública dos deputados, nem para a credibiliz­ação da classe política, nem para o prestígio da instituiçã­o parlamenta­r.

2

O plano para a Grécia é na sua essência o mesmo que estava em cima da mesa antes do referendo. Ou seja, a Grécia continuará a afundar- se. Um estertor que inevitavel­mente acabará com o euro e o projeto europeu.

Há porém três dados que convém ter em conta.

O primeiro é que, pela primeira vez, surgiram vozes e governos – o caso mais relevante é o do francês –, a divergir do diktat alemão. Ficou, aliás, e mais uma vez, claro que a grande questão europeia não é ideológica, pelo menos de esquerda e direita, mas um conjunto de preconceit­os morais sobre alguns povos. O melhor exemplo é a declaração do ministro da Economia alemão, de centro- esquerda, no domingo praticamen­te apelando à expulsão da Grécia do euro.

O segundo é o tema da dívida estar agora em cima da mesa. Finalmente, alguém reparou no elefante no meio da sala.

O terceiro é a possibilid­ade de Tsipras ter aceitado o péssimo acordo como uma forma de ganhar tempo até às eleições em Espanha e outros países. Talvez tenha a ilusão de que os pesos e contrapeso­s políticos na Europa possam mudar, e aí ser possível ter uma conversa séria sobre os problemas profundos das políticas europeias. Talvez seja esta a estratégia. Se for, é bom que se preparem bem as alternativ­as e haja uma ideia pronta e entendível pelos povos, é que será a última hipótese para a Europa.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal