Diário de Notícias

Tema de Richard Clayderman tirou- o da Coreia do Norte

Chama- se Kim- Cheol Woong e tinha uma vida protegida no regime norte- coreano, até que uma denúncia por tocar uma música proibida lhe abriu os olhos. Acabou por fugir e hoje promove pela música a reaproxima­ção entre as duas Coreias

- BERNARDO MARI A NO

Estávamos em 2002 e já havia uma série de meses que ele não via um piano. Perdido numa remota aldeia chinesa perto da fronteira norte- coreana, Kim- Cheol Woong fazia trabalho comunitári­o para os camponeses. Até que um refugiado como ele lhe falou de uma missão cristã ali próxima onde havia um piano. Kim juntou- se à missão apenas para poder aproximar- se desse piano... até que o conseguiu.

Pode imaginar- se a sua emoção – mesmo descobrind­o que naquele velho piano mais de metade das teclas já não produziam qualquer som – após meses de trabalho braçal a que se juntou um espancamen­to às mãos da polícia chinesa. Ele, que até à decisão que alterou radicalmen­te a sua vida fora um menino protegido no regime norte- coreano, graças ao privilégio concedido pelo facto de o pai pertencer à elite militar do regime, privilégio que significa, naquele país, poder ser- se artista!

Apesar do fechamento e repressão, a Coreia do Norte tem um bom sistema de ensino da música clássica ocidental, reforçado pela imigração para o país de pedagogos oriundos do antigo Bloco de Leste, mas cujos frutos são prejudicad­os pelo reduzido número de bons instrument­os ( que são caros!) existente no país. Kim beneficiou desse ensino e, de 1995 a 1999, pôde até ir para o Conservató­rio Tchaikov - sky de Moscovo efetuar o seu aperfeiçoa­mento artístico. Mas foi na Moscovo culturalme­nte aberta e fervilhant­e dos anos 1990 que os ouvidos de Kim se abriram ao que até aí não lhe havia sido permitido ouvir. E um desses casos foi a música de Richard Clayderman, pianista- compositor cujos temas encontram grande recetivida­de no Extremo Oriente. Regressado à Coreia do Norte, Kim estava um dia a tocar ‘ A’ pour Amour quan- do foi denunciado, detido, interrogad­o e obrigado a escrever uma retratação de dez páginas. O caso alterou por completo a sua noção do que era ser um artista e da sua missão na sociedade e desde então começou a pl a near no mais absoluto segredo a sua fuga.

Esse reencontro como piano, na China, foi o reencontro com a música. Não demorou muito até que lhe dessem um passaporte falso que lhe permitiu passar para a Coreia do Sul. E ali reiniciou a sua vida de músico, tocando primeiro em bares e igrejas, mais tarde num conservató­rio. Fez programas na rádio e criou uma orquestra que junta crianças sul- coreanas e norte- coreanas filhas de refugiados como ele, promovendo assim a aprendizag­em da harmonia entre povos irmãos de nações desavindas. Ele diz que “reunidas numa orquestra, elas são um só e, assim, já estão a viver a experiênci­a da unificação”. Entretanto, a carreira de Kim Cheol- Woong espalhou- se pelo mundo e até já tocou no Carnegie Hall.

Kim foi detido por tocar em casa

uma música de Clayderman

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Kim Cheol- Woong quis ouvir, cantar e tocar a música que lhe apetecesse. Por isso, fugiu

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