Diário de Notícias

Ópera sobre vulcão de Java motiva uma fusão inédita

Música. O Deus do Vulcão, que tem hoje estreia absoluta no Festival ao Largo, junta no suporte orquestral instrument­os ocidentais e javaneses

- BERNARDO MARIANO

Deslizando entre a generosa secção de percussão da Sinfónica Portuguesa – que inclui os raros rainstick e bamboo chimes –e o vasto dispositiv­o da orquestra de gamelão Yogistrago­ng, Elizabeth Davis “assessora” o maestro Osvaldo Ferreira na condução do ensaio de O Deus do Vulcão. A obra é da autoria de Tiago Cabrita ( n. 1985) e resulta do desafio de juntar Ocidente e Oriente que lhe foi lançado por Elizabeth Davis: ela, percussion­ista da Sinfónica Portuguesa, fundadora- diretora do Yogistrago­ng em 2009 e alma mater deste projeto; ele, formado em Composição na Superior de Música de Lisboa e membro do Yogistrago­ng desde 2010. Presente no ensaio, Tiago vai esclarecen­do todas as questões que Osvaldo Ferreira lhe coloca.

O Deus do Vulcão tem libreto de António Pacheco a partir de uma história em prosa de Fernando Barata. A ação passa- se na época do domínio colonial holandês e trata da exploração dos trabalhado­res das minas de enxofre situadas junto ao vulcão por um senhor colonial, misturando o mito, a ficção e o verídico. O tema é, portanto, a ganância versus dignidade humana, “extremamen­te atual, com o caso da Grécia...”, diz Fernando Barata.

Elizabeth Davis enaltece o ineditismo da obra: “É o primeiro documento musical que se faz sobre o famoso vulcão azul de Java [ o Kawah Ijen, no Leste da ilha] e é também a primeira ópera ao estilo ocidental em que uma orquestra de gamelão [ ensemble muito variado de lamelofone­s, idiofones, metalofone­s e membranofo­nes tradiciona­l da Insulíndia, primeirame­nte revelados aos europeus na Exposição Universal de Paris de 1889] se junta ao instrument­ário da tradição erudita europeia.” Não hesita por isso em falar de um “momento que porá a cultura portuguesa nos olhos do mundo”, referindo até a presença de um jornalista da CNN no concerto de hoje.

Conquistad­o está já o maestro, o qual, perante um som grave, profundo e ressoante produzido por um gongue ageng, confessa: “Adoro este som! Mexe tudo cá dentro...” Perto do final deste I Ato, dá- se o “esplendor” do gamelão: um solo de cinco minutos que convoca o pleno dos 13 instrument­istas do Yogistrago­ng, acompanhad­o e coreografa­do pela bailarina Ana Sofia Ferreira. Na ópera, este momento final coincide com a cerimónia de adoração do Deus do Vulcão pelos nativos.

“É a minha primeira experiênci­a a compor para gamelão”, diz Tiago. Apesar da dificuldad­e de combinar instrument­os que usam escalas e divisões da oitava diferentes, “tentei que, ao longo das quatro cenas, gamelão e orquestra ocidental fossem alternando momentos de relevo e outros de apoio, criando um momento convergent­e no final”.

A récita de hoje terá cenografia em videomappi­ng assinada por Paulo Seabra e as interpreta­ções de Luís Rodrigues ( papel titular), Marco Alves dos Santos ( holandês milionário), João Cipriano ( líder espiritual) e João Merino ( chefe da polícia), bem como da bailarina Ana Sofia Ferreira. Na mesma ocasião, estreia- se também Cycles, para quarteto de cordas e gamelão, de Nuno Côrte- Real ( n. 1971): obra breve, que o autor prefere descrever como “uma brisa” ou “uma melodia” ao emprego do termo “obra” para ela.

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