Diário de Notícias

O homem que pôs Portugal no mapa internacio­nal da ciência

Era físico e cientista, mas tinha uma visão para a ciência no país. Concretizo­u- a enquanto professor, divulgador e ministro. O sistema científico que hoje existe é obra sua

- C É U NEVES e F I LO MENA NAV E S com João PEDRO HENRIQUES e PEDRO VILELA MARQUES

As últimas três décadas na ciência em Portugal são indissociá­veis do seu nome. Em 1986, como presidente da JNICT, Junta Nacional de Investigaç­ão Científica e Tecnológic­a, convocou os cientistas portuguese­s para um debate e, nesse ano, concretizo­u a primeira adesão de Portugal a uma grande organizaçã­o científica internacio­nal: o CERN. Foi a primeira de muitas. Já como ministro, definiu as grandes linhas da política científica com a aposta do investimen­to público no setor e a sua internacio­nalização. Mariano Gago morreu ontem, aos 66 anos, vítima de cancro.

“Deixa uma marca muito profunda no sistema científico nacional que é, essencialm­ente, obra sua”, resume o físico Gaspar Barreira que com ele partilhou nos últimos 30 anos a presidênci­a do LIP – Laboratóri­o de Instrument­ação e Física Experiment­al de Partículas. “Foi ele também que colocou Portugal no mapa internacio­nal da ciência”, sublinha.

Mariano Gago almoçava às sextas- feiras com amigos e colaborado­res, o que não deixou ontem de fazer. O seu secretário de Estado, Manuel Heitor, acompanhou- o até ao último suspiro, às 15.00. “José Mariano Gago conseguiu mudar a cultura dos portuguese­s para acreditar no futuro. É uma perda irreparáve­l, este momento obriga- nos a pensar no futuro, o futuro só se constrói com mais ciência e mais tolerância”, disse ao DN.

A par do seu papel central na definição da política científica, com a criação e o investimen­to em centros de excelência nas diferentes áreas e com uma aposta decisiva na formação avançada de jovens investigad­ores – o faz hoje de Portugal num parceiro de corpo inteiro na ciência europeia e internacio­nal –, Mariano Gago foi um incansável defensor da divulgação e do conhecimen­to científico. Hoje com uma rede de centros no país, a Ciência Viva, que pôs os miúdos das escolas a fazer e a discutir ciência e que é internacio­nalmente reconhecid­a como um caso de sucesso, foi também obra sua.

“Enquanto esteve em Paris a fazer o doutoramen­to [ em Física de Partículas] fazia questão de se encontrar regularmen­te com a comunidade portuguesa emigrada, para lhes falar de ciência”, lembra a O ex- ministro era um visionário. A sua estratégia para o setor científico ficou patente em O Manifesto para a Ciência em Portugal, que publicou em 1990 historiado­ra Fernanda Rollo, da Universida­de Nova de Lisboa. “No CERN, onde foi investigad­or, esteve diretament­e envolvido no diálogo com a comunidade local suíça e, mais tarde, já professor no Instituto Superior Técnico ( IST), inaugura uma uma experiênci­a pedagógica, introduzin­do uma série de experiment­ações na aulas”, lembra a historiado­ra, o que culminou com a “criação da Ciência Viva”.

Mariano Gago nasceu em Lisboa, a 16 de maio de 1948. Licenciou- se em Engenharia Eletrotécn­ica, pelo IST, em 1971, e doutorou- se pela Faculdade de Ciências da Universida­de de Paris, em 1976.

Chegou a ministro convidado por António Guterres, em 1995, que queria que acumulasse a pasta da Ciência com a do Ensino Su- perior – mas Gago recusou, ficando apenas com a Ciência ( e Tecnologia). Deteve estas pastas de 1995 a 2002. Em 2005, quando José Sócrates o convidou para o executivo, o problema colocou- se de novo. Desta vez Gago não resistiu à pressão e acumulou até 2011 as pastas da Ciência e do Ensino Superior. Foi o ministro da democracia que mais anos esteve com a mesma pasta, em quatro governos.

O ex- primeiro- ministro manifestou- se “profundame­nte chocado” com a notícia da morte do seu ex- ministro, destacando a sua “coragem” na luta contra a ditadura, o cientista “internacio­nalmente reconhecid­o” e o seu “contributo excecional” para o desenvolvi­mento científico, em nota enviada à agência Lusa. Pedro Passos Coelho su - blinhou que o cientista teve “um papel pioneiro no desenvolvi­mento da política de ciência em Portugal e na internacio­nalização da investigaç­ão científica”. E o ministro da Educação, Nuno Crato, destacou a “personalid­ade brilhante, esfuziante” de alguém que “repre - sen ta muito para a ciência em Portugal”.

O secretário- geral do PS lamentou, na sede nacional do partido onde a bandeira está a meia haste, a perda de um resistente contra a ditadura, de “grande cientista” e de um governante “exemplar”. Destaca Mariano Gago enquanto dirigente, “grande cientista” e um “visionário que em 1990 publicou uma obra exemplar “O manifesto para a ciência em Portugal’.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal