FILETES DE PESCADA NA BANDEIRA
Quando as tias de antanho iam ao restaurante comiam filetes de pescada com arroz de ervilhas. Era uma espécie de recurso simples e fácil para o jantar no restaurante do bairro, para o almoço ocasional. Não levantava grandes problemas: o “arroz de ervilhas” é uma espécie de metáfora para o acompanhamento de seja o que for – um refogado simples, um arroz branco misturado com ervilhas congeladas, um raminho de salsa. E os filetes que, agora, sob a capa do cosmopolitismo da treta, são frequentemente substituídos pelo “fish and chips” que agora se pratica em restaurantes da capital.
Isto devia ser proibido e explico porquê: na semana passada, ao entrar num restaurantezinho de esquina (estava a norte do Porto), vi que a cozinheira regressava da vitrine frigorífica com duas pescadas debaixo do braço. Não é piada. Duas pescadas seguiam para a cozinha. Isto levantou suspeitas naquele complexo constituído por coração, cabeça & estômago e, consultando o menu da casa, verifiquei que a única referência à pescada era “filetes de pescada” – a escolha era óbvia: que venham os filetes de pescada, imediatamente. Que se apresentem na mesa, com guia de marcha e com aquele polme suave de farinha e ovo de bordinhas estaladiças para resguardar a pescada tingida de limão, alvíssima e desfazendo-se em lascas que mereciam um soneto.
A garantia foi-me dada pela demora de quinze minutinhos até chegarem à mesa: sim, eram verdadeiros. Imagino a afiada lâmina da faca cortando o peixe em tamanhos desiguais, retirando-lhe a pele – e aquele misto de espinhas a mergulhar num caldo para depois encomendar a alma a um arroz de peixe e gambas frescas.
Ora, quem uma vez comeu os filetes de peixe (pescada, peixe-galo, robalo, peixe-espada, bacalhau fresco, vamos lá) desta maneira, acompanhados de arroz cremoso de cenoura ou de ervilhas, de grelos ou de tomate, de berbigão ou “de marisco” (menos, menos), desdenhará em definitivo daquelas placas de pescada de imitação saída da arca congeladora, como já acontece, imagine-se, nos restaurantes do Guincho. E, nessa matéria, filetes de peixe não há como a norte de Aveiro e a sul da esquina da foz do Minho, ou seja, de Caminha. Além dos arrozes, a “salada russa” vem sempre a propósito, mesmo sem maionese e apenas com azeite (e uma colherada de molho tártaro na beirinha do prato).
Se um dia alguém fundar a Confraria dos Filetes de Pescada estarei disposto a equacionar o meu pedido de inscrição (pertenço apenas a uma), fazendo respeitar uma das melhores tradições da cozinha do sul da Europa e do Mediterrâneo. No nosso caso, acho que os filetes de pescada de lei, genuínos, podem substituir algumas das armas da bandeira nacional.
NÃO HÁ COMO A NORTE DE AVEIRO
E A SUL DE CAMINHA