Pandemónio
Faço parte da imensa legião de eleitores que votou em Marcelo Rebelo de Sousa. Para além de ter estima pessoal por ele, depois da terrível crise que vivemos com a pré-falência do País e a chegada da troika, tinha as condições para ser o Presidente da República certo. É um homem afável, bondoso, comunicador de excelência, inteligente, politicamente experimentado. Foi uma surpresa observar a sua intervenção desde o início da crise pandémica que, agora, se propaga com o poder de uma avalanche. Começou mal. Ainda os sinais de alerta eram vagos, a pandemia chegara a Itália, a ministra Marta Temido interpelada por jornalistas, aconselhou, em termos preventivos, que deveríamos procurar distanciamento social. Ao que ele respondeu com uma indireta, dizendo que era homem de afetos. Foi o primeiro sinal de estranheza. Depois caiu na esparrela de anunciar o milagre português e, numa estranha parceria com Costa, dando exemplos de desconfinamento, em banhos de mar, visitas a praias. Permitiu-se ser um pau mandado do primeiro-ministro nas reuniões do Infarmed, contribuiu decisivamente, a par dos restantes partidos, para politizar o ataque à pandemia e, finalmente, assumiu a postura de diretor-geral da saúde e ministro da tutela, chamando a Belém, a ministra, ex-ministros, bastonários, ex-bastonários como chefe supremo da república de interesses que gravita em torno do sistema de saúde. Costa sumiu-se. Como é hábito. Quando dá para o torto, desaparece de cena e inventa casos para iludir noticiários. Julgo que, para reconhecer o velho Marcelo, tenha chamado a tribo dos interesses para lhes puxar as orelhas. Para lhes dizer que chegou a hora de deixarem de ser treinadores de bancada. De pedirem aos profissionais que fugiram dos hospitais e dos centros de saúde que, para merecerem as palmas que os mais esforçados escutam, precisam de diminuir o absentismo. Que contribuam, para além da má língua e do derrotismo, para ajudarem a evitar mais fortes vagas de vírus. Porque como está, já não é pandemia. É um pandemónio!n
MARCELO PERMITIU-SE SER UM PAU MANDADO DO PRIMEIRO-MINISTRO NAS REUNIÕES DO INFARMED