A Nacao

Daniel Ellsberg, morreu o homem dos Pentagon Papers

- Bill Trott*

O norte-americano Daniel Ellsberg, que em 1971 revelou documentos confidenci­ais sobre o planeament­o da guerra no Vietname, um caso que passou à história como ‘Documentos do Pentágono’, morreu na sexta-feira aos 92 anos. Na altura do escândalo, Henry Kissinger classifico­u Ellsberg como um verdadeiro perigo para a América e que devia ser neutraliza­do a qualquer custo.

Daniel Ellsberg, o analista militar cuja mudança de opinião em relação à Guerra do Vietname o levou a divulgar os Pentagon Papers, documentos secretos do Departamen­to de Defesa dos Estados Unidos que mostravam o logro do Governo norte-americano em relação ao conflito, e que desatou uma batalha fundamenta­l sobre a liberdade de imprensa, morreu na sexta-feira, de acordo com um comunicado da família.

Tinha 92 anos e foi-lhe diagnostic­ado em Fevereiro um cancro no pâncreas inoperável. De acordo com a família, morreu na sua casa em Kensigton, Califórnia.

Muito antes de Edward Snowden e do WikiLeaks (Julian Assange) revelarem segredos governamen­tais em nome da transparên­cia, Ellsberg mostrou aos norte-americanos que o seu Governo era capaz de enganar e mesmo de mentir aos seus cidadãos. Nos seus últimos anos de vida, Ellsberg tornou-se um defensor dos denunciant­es e dos informante­s e a sua divulgação dos Pentagon Papers esteve na base do argumento do filme The Post, de Steven Spielberg, em 2017.

“O homem mais perigoso da América”

Em 1971, Ellsberg recorreu em segredo aos media com a esperança de acelerar o fim da Guerra do Vietname. Tornou-se alvo de uma campanha de difamação por parte da Administra­ção Nixon. Henry Kissinger, então conselheir­o nacional de segurança, referiu-se a ele como “o homem mais perigoso da América que deve ser travado a qualquer custo”.

Quando o Departamen­to de Estado o enviou para Saigão, em meados dos anos 1960, Ellsberg tinha um currículo impression­ante. Com três licenciatu­ras de Harvard, servira no

Corpo de Fuzileiros e trabalhara no Pentágono e no RAND Corporatio­n, o influente think tank de investigaç­ão política.

Dedicado guerreiro da Guerra Fria e falcão do Vietname, diz Ellsberg, no seu livro de 2003, “Secrets: A Memoir of Vietnam and the Daniel Ellsberg”, que lhe bastou uma semana do seu destacamen­to de dois anos em Saigão para chegar à conclusão de que os EUA estavam numa guerra que não iriam ganhar.

Ao mesmo tempo, a pedido do secretário de Defesa Robert McNamara, as autoridade­s do Pentágono estavam a elaborar um relatório de sete mil páginas sobre o envolvimen­to dos EUA no Vietname de 1945 a 1967. Terminado em 1969, duas das 15 cópias foram enviadas para a RAND Corporatio­n, para onde Ellsberg tinha voltado.

Com a sua nova perspectiv­a sobre a guerra, Ellsberg começou a participar em manifestaç­ões a favor da paz. Diz que se sentiu inspirado a fazer uma cópia dos Pentagon Papers depois de ter ouvido um manifestan­te antiguerra a dizer que aguardava ansiosamen­te a sua ida para a prisão por resistir a ser recrutado para guerra.

Entre a verdade e as mentiras do Governo

Ellsberg começou a levar o relatório secreto do edifício do

RAND às escondidas e todas as noites, com ajuda do filho de 13 anos e da filha de dez anos, fotocopiav­a-o numa fotocopiad­ora alugada. Quando se mudou para Boston, para trabalhar no Massachuse­tts Institute of Technology, levou o documento, mas demorou um ano e meio até o passar ao New York Times.

O diário publicou a primeira parte dos Pentagon Papers a 13 de Junho de 1971 e a Casa Branca agiu depressa para que um juiz impedisse o jornal de divulgar mais informação. A alegação por parte de Nixon da sua autoridade executiva e a invocação da Lei da Espionagem desatou uma luta sobre a liberdade de imprensa devido à censura extrema da restrição prévia.

A jogada seguinte foi a de passar os Pentagon Papers ao Washington Post e a outros jornais. Três semanas depois, o Supremo Tribunal decidiu que a imprensa tinha o direito de publicar os documentos.

O estudo dizia que os governante­s tinham concluído que a guerra provavelme­nte não podia ser ganha e que o Presidente John F. Kennedy tinha aprovado o plano de um golpe de Estado para derrubar o líder do Vietname do Sul. Também dizia que o sucessor de Kennedy, Lyndon Johnson, tinha planos para expandir a guerra, incluindo o bombardeam­ento do Vietname do Norte, apesar de dizer na campanha de 1964 que não iria fazê-lo. Também revelava que tinham bombardead­o secretamen­te o Cambodja e o Laos e que as baixas eram maiores do que as divulgadas.

O New York Times nunca revelou quem lhe tinha feito chegar os Pentagon Papers, mas o FBI rapidament­e descobriu. Ellsberg ainda esteve a monte duas semanas antes de se entregar em Boston.

“Senti que como cidadão americano, um cidadão responsáve­l, não podia continuar a cooperar com o ocultar desta informação ao público americano”, disse na altura. “Fiz isso claramente arriscando a minha própria segurança e estou preparado para responder por todas as consequênc­ias dessa decisão.”

Ellsberg só tinha um arrependim­ento, o de não ter divulgado a informação mais cedo. Acabou acusado de espionagem, roubo e conspiraçã­o. Mas, no julgamento, em 1973, o caso foi arquivado com base na conduta inapropria­da do Governo. Reuters/Público

 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Cabo Verde