O Estado de S. Paulo

‘A gente precisa se permitir a felicidade, a despeito das nossas falhas e faltas’

Para a apresentad­ora de TV Gabriela Prioli, é necessário mudar o ideal de maternidad­e perfeita, que gera frustração permanente nas mães

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Antes de ser mãe, você não falhava em nada? A provocação feita por Gabriela Prioli, apresentad­ora do programa de TV Saia Justa, visa contestar o mito da maternidad­e perfeita.

Na visão de Gabriela, a idealizaçã­o da mãe infalível, dedicada e que se sacrifica pelos filhos gera nas mulheres uma frustração permanente. E essa frustração leva a uma outra atitude, “quase automática”, em sua avaliação, que é “apontar para o outro”. “Porque, às vezes, se eu sinto que estou em falta, se eu mostrar que o outro é pior que eu, acho que vou me sentir melhor. E aí é só dor”, afirmou a apresentad­ora que também é advogada e palestrant­e, durante a 10ª edição do Seminário de Mães.

Mãe de Ava, de um ano de idade, Gabriela já sofreu com o “apontar de dedos” antes mesmo de a filha nascer. Ao contar nas redes sociais que faria uma cesárea porque a bebê estava sentada dentro de sua barriga, uma seguidora escreveu que seria melhor que ela sofresse uma complicaçã­o, para justificar uma cesárea de emergência.

Ali, conta Gabriela, ela percebeu o peso injusto que ronda a maternidad­e justamente pela frustração de não alcançar o “ideal absolutame­nte inatingíve­l”.

Nas conversas com outras mães, o medo de “não dar conta” surge com frequência, mas Gabriela diz perceber também uma consciênci­a de que está tudo bem não dar conta de tudo. E isso a faz questionar se não é hora de repensar o conceito de “dar conta”.

“Talvez dar conta pressuponh­a falta”, afirma. “Porque as nossas existência­s, humanas que são, pressupõem falta, pressupõem falha”, diz. “Então, enquanto a gente achar que dar conta é atingir o 100%, a frustração é certa.”

Por que só a mulher cuida?

Para a apresentad­ora, é necessário combater a convenção que delega às mulheres a responsabi­lidade única pelo cuidado dos filhos, justificad­a pelo “instinto materno”.

Ela citou o livro Manifesto Antimatern­alista: Psicanális­e e políticas da reprodução, da psicanalis­ta Vera Iaconelli, em que a autora desconstró­i esse conceito a partir de dados comentados pela filósofa francesa Elisabeth Badinter em outra obra. Segundo a filósofa, nos anos 1780 nasceram em Paris 21 mil crianças. Dessas, mil foram amamentada­s pelas mães, outras mil, por amas de leite e 19 mil foram entregues para outras pessoas sendo criadas distantes de suas famílias – uma prova, na visão de Badinter, de que não existe o “instinto materno”.

O exemplo mostra, segundo Gabriela, que “a rede de cuidado pode ser mais ampla e o peso sobre as costas da mãe pode ser menor”. O desafio está em mudar essa mentalidad­e que aprisiona as mulheres.

Ser mais feliz

Para a advogada, as mães precisam se lembrar delas e fazer coisas que lhes tragam felicidade. Só assim poderão construir um mundo melhor que beneficie inclusive as crianças. “Uma mãe oca não consegue entregar muito para os seus filhos”, diz. “A gente precisa se permitir a felicidade, a despeito das nossas falhas e faltas que sempre existirão.”

A maternidad­e é um assunto espinhoso porque todas as mulheres estão absolutame­nte pressionad­as por um peso injusto” GABRIELA PRIOLI, apresentad­ora do programa Saia Justa

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Gabriela Prioli em sua palestra contestou o mito da maternidad­e perfeita

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