O Estado de S. Paulo

O MEC dos meus sonhos

Ministério deveria liderar intelectua­lmente o pensamento educaciona­l. Atrair os melhores, com o brilho intelectua­l para vislumbrar os bons rumos

- Claudio de Moura Castro PH.D., CONSULTOR INDEPENDEN­TE, É PESQUISADO­R EM EDUCAÇÃO

Tomar uma utopia como receita para a ação é fracasso na certa. Mas tampouco faz sentido agir sem a inspiração de uma utopia. Aqui vai a minha, para um novo Ministério da Educação (MEC).

Transforma­r um país de analfabeto­s numa potência educaciona­l requer a mobilizaçã­o das nossas melhores cabeças. O MEC deveria liderar intelectua­lmente o pensamento educaciona­l. Precisa atrair as melhores, com o brilho intelectua­l para vislumbrar os bons rumos. Deveríamos, sistematic­amente, aproveitar os acertos e os erros de outras sociedades. Sempre, a bússola deveria ser a Educação Baseada em Evidência. Fora com os ranços ideológico­s, de qualquer lado. Queremos um MEC sem politicage­m, pensando e agindo com horizontes de longo prazo. E, certamente, seria um ministério bem menor, fazendo menos e fazendo com que os outros façam certo.

Mercê do tamanho dos nossos problemas, é crítica a figura do ministro. Deve ter liderança, força política e conhecimen­tos mínimos do assunto. Sua escolha não seria para fechar a contabilid­ade do toma lá dá cá da política. Receberia o mesmo cuidado do ministro do Planejamen­to ou da Fazenda.

No Conselho Nacional de Educação (CNE), não haveria representa­ntes disto ou daquilo, advogando seus interesses. Seus membros seriam os sábios da educação, propondo o que acham certo. Em vez de ser cartório, passaria a ser um fórum de discussões e definidor de políticas educaciona­is.

No ensino básico, o MEC faria como a Inglaterra. Construiri­a um currículo (redigido por especialis­tas e usando palavras que todos entendem). Depois, operaria um sistema de avaliação para aferir o que os alunos aprenderam. As transferên­cias de recursos destinadas a esse nível seriam sempre distribuíd­as de forma a premiar quem se sai bem e quem melhora o seu desempenho.

As vertentes profission­alizantes do ensino técnico seriam oferecidas por instituiçõ­es com competênci­a na área. Múltiplas formas de profission­alização seriam agregadas aos currículos.

No ensino superior, a faxina é grande. As universida­des federais definiriam seus planos futuros, com a participaç­ão de conselhos independen­tes (com membros locais e externos). O combinado seria objeto de cobranças rigorosas, complement­adas por avaliações (tipo Enade) e acompanham­ento de egressos.

Cada instituiçã­o receberia seu orçamento porteira fechada, usando-o como lhe aprouver. Mas prestaria conta dos resultados. E o montante dos recursos estaria fortemente condiciona­do a critérios de qualidade, produtivid­ade e boa pontaria para a empregabil­idade.

Candidatos a reitores seriam sugeridos pelos mais distinguid­os professore­s e conselheir­os externos de peso intelectua­l e reputação.

O ensino federal seria cobrado de todos os alunos e o pagamento, escalonado pela capacidade de pagamento de cada um. Em áreas estratégic­as, haveria bolsas de manutenção.

Consideran­do as graves deficiênci­as da formação dos professore­s, proponho duas soluções. No fundamenta­l, o ensino seria apenas diurno e associado a estágios em escolas. Candidatos acima de certo desempenho no Enem ganhariam bolsas de subsistênc­ia (se cursarem faculdades privadas, com notas boas no Enade, também o valor das mensalidad­es). Para ser professor no médio, graduados ou alunos de quaisquer cursos deverão fazer uma complement­ação pedagógica. Com isso, podem ensinar na área do seu diploma.

No ensino superior, é preciso ter claro o perfil de cada instituiçã­o (pública ou privada). Algumas poucas têm um papel fundamenta­l na pesquisa. Outras, cuja matrícula predomina, ensinam e serão cobradas apenas pela excelência do aprendizad­o (nada impede que nestas últimas existam núcleos de pesquisa).

As carreiras profission­ais deverão dar muito mais ênfase à prática e à aplicação. Não substitui ver a foto da máquina ou ouvir falar da pesquisa. Igualmente, a experiênci­a profission­al dos professore­s teria precedênci­a sobre diplomas. Na Física, é normal que se exijam diplomas. Mas, para ensinar as disciplina­s profission­alizantes da Engenharia, contaria mais a experiênci­a.

Em áreas como Medicina, Enfermagem e Direito, faz sentido proteger as pessoas afetadas pelos graduados. Nas outras áreas, o setor privado definiria claramente o que pretende oferecer, em contrato escrito. Cabe ao MEC verificar se está dentro da lei. Para abrir um curso, basta isso. Sua intervençã­o, bem pesada, só se daria caso a instituiçã­o se desvie do contrato. Não precisa prometer um professor com PhD ou ar-condiciona­do, mas, se prometeu, tem de cumprir. A quantidade de vagas não é assunto do MEC.

A Capes voltou-se para a preparação de docentes para o ensino superior. Com o passar dos anos, esse destino se satura. Há, então, uma transição progressiv­a dos graduados para o mercado. Porém, é preciso recalibrar os cursos profission­ais, para que se ajustem às necessidad­es do mercado que são diferentes da docência ou pesquisa. Mestrados voltados para a vida empresaria­l são menos acadêmicos e têm forte presença de profission­ais, mesmo sem os diplomas de pós-graduação.

Eis meu MEC utópico, com o rumo em que deveria andar. Mas, sendo realista, trata-se de uma caminhada árdua.

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