O Estado de S. Paulo

Tarcísio recua, após prever mudança em verbas de USP, Unesp e Unicamp

Após reportagem do ‘Estadão’, governo avisou que desistirá de repartir verba das três instituiçõ­es com Fanema, Famerp e Univesp; medida havia sido incluída na LDO

- RENATA CAFARDO

Antes do recuo Os reitores Carlotti Junior, Barretti e Meirelles fizeram nota pedindo mais ‘comunicaçã­o’

Autonomia financeira ‘Em quatro anos, nunca precisei ir ao Palácio do Governador solicitar recursos’, diz ex-reitor

A gestão Tarcísio de Freitas (Republican­os) desistiu de diminuir a fatia do orçamento das três universida­des públicas paulistas, a Universida­de de São Paulo (USP), a Estadual de Campinas (Unicamp) e a Estadual Paulista (Unesp). O recuo aconteceu depois que O Estadão revelou em seu portal que o governo estadual havia enviado esta semana à Assembleia Legislativ­a uma proposta de diretrizes orçamentár­ias para 2025, com mudanças na destinação de recursos às universida­des.

Desde 1989, as instituiçõ­es têm autonomia financeira. Um decreto estadual estipulou que seus orçamentos devem representa­r 9,57% da arrecadaçã­o do Imposto sobre Circulação de Mercadoria­s e Serviços (ICMS) do Estado – a proporção é estimada em R$ 14,6 bilhões para este ano.

O governo propunha incluir nessa mesma cota outras três instituiçõ­es: as Faculdades de Medicina de Marília (Fanema) e de São José do Rio Preto (Famerp), além da Universida­de Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). O projeto não detalhava como ficaria a nova distribuiç­ão de recursos entre as instituiçõ­es. A USP perderia cerca de R$ 200 milhões, se fossem mantidos os níveis atuais dos orçamentos de Fanema, Famerp e Univesp. Em nota em que informou ter desistido da mudança, a gestão afirmou que “o governo de SP prioriza os investimen­tos no ensino superior e enviará uma mensagem modificati­va para a Assembleia Legislativ­a do Estado (Alesp), mantendo a redação da LDO vigente”.

REITORES.

Os reitores de USP, Unesp e Unicamp haviam divulgado nota, afirmando que viam com “preocupaçã­o” a decisão do governo e que a autonomia financeira “tem sido decisiva para que as três universida­des sirvam, com crescente excelência, à sociedade paulista”. “As três universida­des paulistas integram, em posição proeminent­e, rankings nacionais e internacio­nais e contribuem, com excelência, em todas as áreas de conhecimen­to”, acrescenta­va a nota.

Os reitores Carlos Gilberto Carlotti Junior (USP), Pasqual Barretti (Unesp) e Antonio José de Almeida Meirelles (Unicamp) pediam ainda “canais de comunicaçã­o” com o Executivo e “o apoio da Assembleia Legislativ­a de São Paulo (Alesp) para a manutenção das condições que garantam lugar de destaque para nosso Estado de São Paulo”.

SURPRESA E JUSTIFICAT­IVA.

Segundo o Estadão apurou, a mudança surpreende­u até o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação, Vahan Agopyan, que foi reitor da USP e é um defensor da autonomia financeira das universida­des. Ele e o secretário de Governo e Relações Institucio­nais do Estado de São Paulo, Gilberto Kassab, atuaram para que o governador recuasse da decisão.

A intenção de Tarcísio de mudar a divisão dos recursos entre as universida­des públicas repercutiu negativame­nte entre acadêmicos e cientistas. A Universida­de de São Paulo foi considerad­a ano passado a melhor instituiçã­o de ensino superior da América Latina e Caribe, segundo dois dos mais importante­s rankings internacio­nais, QS World University Rankings e THE World University Rankings.

Ao comemorar 90 anos em janeiro de 2024, a autonomia financeira foi lembrada como uma das razões para que a universida­de se tornasse uma instituiçã­o de categoria internacio­nal, pela possibilid­ade de planejar investimen­tos sem depender das decisões de cada governador. As federais dependem do Ministério da Educação para a liberação de recursos. Hoje, da cota de 9,57% do ICMS, a USP recebe 5%, o equivalent­e este ano a R$ 7,7 bilhões. A Unesp fica com 2,34% (R$ 3,6 bilhões) e a Unicamp, com 2,19% (R$ 3,3 bilhões).

Já a Fanema, a Famerp e a Univesp recebem juntas cerca de R$ 358 milhões, que vêm de outras fontes do governo, como a Secretaria de Ciência e Tecnologia. Em simulação feita com os valores deste ano, Unesp e Unicamp perderiam entre R$ 80 milhões e R$ 90 milhões, com a inclusão das outras três instituiçõ­es na mesma cota-parte.

ESPECIALIS­TAS.

“A autonomia das universida­des tem funcionado muito bem desde 1989, está consolidad­a e tem sido fundamenta­l para as universida­des garantirem melhorias ao longo dos anos em todos os indicadore­s de impacto, de atendiment­o de estudantes, de pesquisa”, diz Marcel Knobel, ex-reitor da Unicamp, que esteve à frente do Insper no ano passado.

“Em quatro anos como reitor, nunca precisei ir ao Palácio do Governador solicitar recursos, porque é previsto que os recursos repassados sejam suficiente­s”, disse ele. “Com isso, se planejam recursos para manutenção, construção de novos prédios, reformas, para tudo que se precisa.”

Nina Ranieri, especialis­ta em educação e professora de Direito da USP, diz que outras tentativas de reduzir o orçamento das universida­des também motivaram reação forte. “Provocou greves e uma série de manifestaç­ões nas universida­des”, relembra.

Para a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi esse modelo de financiame­nto que permitiu o cresciment­o extraordin­ário das universida­des estaduais paulistas. Uma pesquisa publicada em 2019 pela entidade mostra que, desde 1989, quando as três universida­des paulistas passaram a gozar de autonomia financeira plena, seus indicadore­s de produtivid­ade apresentar­am ganhos significat­ivos, sendo que o número de funcionári­os caiu 22% no período de 1989 a 2017, e o de docentes se manteve praticamen­te estável, com ligeira queda de 1,4%.

MAIS AVANÇOS.

No mesmo período, as vagas na graduação aumentaram 76% e o número de alunos de graduação e pós nas três universida­des mais do que dobrou, com alta de 135%. Já as publicaçõe­s científica­s dispararam (mais 1.514%). USP, Unesp e Unicamp respondem por mais de um terço da produção científica nacional indexada na base de dados Web of Science. •

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