O Estado de S. Paulo

O Brasil no ‘Eixo da Revolta’

A deplorável aliança com Irã, China e Coreia do Norte para dar fôlego à Rússia do delinquent­e Putin só é explicável pela megalomani­a de Lula, que se arvora em líder do ‘Sul Global’

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Adespeito das pesadas sanções impostas pelo Ocidente à Rússia por conta de sua guerra criminosa contra a Ucrânia, Vladimir Putin tem obtido êxitos na frente de batalha e no plano econômico. A economia russa está longe da exuberânci­a em meio ao conflito. Ao mesmo tempo, porém, está distante do eventual colapso que, na visão dos países sancionado­res, talvez pudesse levar ao fim da guerra e, quiçá, à responsabi­lização de Putin por seus crimes. A China, claro, é a grande responsáve­l pela vitalidade desse regime delinquent­e, mas, desafortun­adamente, parte consideráv­el do fôlego de Putin tem vindo do Brasil.

O Estadão revelou há poucos dias que, neste terceiro mandato presidenci­al de Lula da Silva, o Brasil expandiu os laços econômicos com a Rússia. Tal é o grau de cooperação entre os dois países atualmente que, em 2023, a meta de trocas comerciais entre o “B” e o “R” dos Brics originário­s – US$ 10 bilhões – foi superada pela primeira vez em duas décadas. No ano passado, o volume de negócios com Moscou chegou a US$ 11,3 bilhões. Hoje, o Brasil é o maior comprador de diesel russo (6 milhões de toneladas adquiridas em 2023). Os fertilizan­tes russos vêm em seguida na agenda comercial do País, respondend­o por compras que chegam a quase US$ 4 bilhões ao ano.

Lula, como se vê, não quer saber se há mais de dois anos Putin comete atrocidade­s em série na Ucrânia e ameaça a paz na Europa como nunca antes alguém o fez desde o final da 2.ª Guerra. Tampouco tem procurado alternativ­as decentes para a aquisição daqueles produtos. Ao optar por negociar com um pária internacio­nal, Lula decerto aproveita uma vantagem comercial para adquirir insumos essenciais para as próprias atividades econômicas do Brasil. Afinal, com poucos países para transacion­ar diante do cerco internacio­nal, Putin se vê obrigado a oferecer condições competitiv­as àqueles que se dispõem a fazer negócios com um criminoso de guerra. Mas o barato sai caro.

Em que pese o apelo comercial, sobretudo no caso dos fertilizan­tes, matéria-prima para o segmento mais pujante da economia brasileira, o agronegóci­o, o que Lula busca, na verdade, é o fortalecim­ento do tal “Sul Global”, aliança antiociden­tal da qual o petista mal disfarça o desejo de ser proclamado líder. Imbuído desse espírito megalomaní­aco, o presidente da República não parece ter perdido um minuto de sono preocupado com o alto preço político que sua escolha impõe ao Brasil. Para dizer o mínimo, sob Lula, o País tem afrouxado cada vez mais os laços que o unem aos valores ocidentais que, historicam­ente, constituír­am a espinha dorsal da política externa brasileira: a defesa da liberdade, dos direitos humanos, do Estado Democrátic­o de Direito, do multilater­alismo e da solução pacífica dos conflitos.

Não se sabe se por ignorância, máfé ou péssimo aconselham­ento, Lula tem confundido o protagonis­mo dessa ficção chamada “Sul Global” com a defesa de uma nova governança internacio­nal mais adequada para um mundo “multipolar”. O busílis é que não há multipolar­idade alguma em jogo. O que está em curso é a união de um punhado de ferozes ditaduras em busca de ajuda mútua contra os Estados Unidos, a União Europeia e tudo mais que possa ser interpreta­do pelos autocratas como ameaças a seus desígnios liberticid­as. É a esse tipo de aliança que o Brasil deveria pertencer? É a isso que Lula da Silva pretende rebaixar o País?

Do ponto de vista estratégic­o, ou seja, a longo prazo, o Brasil não tem rigorosame­nte nada a ganhar alinhando-se ao que a revista Foreign Affairs chamou de o “Eixo da Revolta”. Trata-se da conjunção de esforços da China, do Irã e da Coreia do Norte para fortalecer a Rússia, enfraquece­r o Ocidente, em particular os Estados Unidos, e, como se não bastasse, violentar a soberania ucraniana. O Brasil, segundo analistas internacio­nais, é considerad­o um país “estratégic­o” para o triunfo desse clube antiociden­tal – o que, mais que uma vergonha, representa uma traição aos princípios que nos constituem como nação.l

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