O Estado de S. Paulo

Fim do Extra representa a despedida dos hipermerca­dos?

Apesar de o Grupo Pão de Açúcar ter desativado a bandeira Extra Hiper, formato ainda cresce em cidades do interior

- LÍLIAN CUNHA

Gigante paranaense A Super Muffato fatura R$ 9 bi e tem quase todas as lojas em cidades de até 600 mil habitantes

Aloja do hipermerca­do Carrefour do Shopping Iguatemi de Campinas – cidade de 1,2 milhão de habitantes do interior de São Paulo – não parou de encolher nos últimos anos. Primeiro, parte do prédio passou a ser usada para abrigar uma loja da Tokstok. Outra virou uma concession­ária de motos. “Só faço compras aqui porque eles abonam o estacionam­ento do shopping. Então vale a pena. Compra de casa, mesmo, eu faço em atacado”, diz a professora Laura Almeida, moradora da cidade, ao Estadão.

O caso dessa loja não é isolado. De forma geral, os hipermerca­dos vêm sumindo dos grandes centros. Na semana passada, o Grupo Pão de Açúcar anunciou que vai desativar a marca Extra Hiper – que tinha 103 lojas, das quais 71 vão virar atacarejos do Assaí e as demais vão ser transforma­das em supermerca­dos. Das lojas a serem desativada­s, mais da metade fica em municípios com mais de meio milhão de habitantes, enquanto 25 estão na capital paulista.

O consultor Olegário Araújo, da Inteligênc­ia 360, vê o movimento com clareza. “Nos grandes centros, os hípers não têm mais relevância.” Segundo ele, porém, eles ainda são muito apreciados em cidades menores. Segundo a Associação Brasileira de Supermerca­dos (Abras), o número de hipermerca­dos no País ainda cresce: em 2020, eram 91 unidades no Brasil, número que mais do que dobrou, para 188, neste ano.

TEMPO E DINHEIRO. De acordo com especialis­tas, o hipermerca­do perdeu espaço nas grandes cidades porque não atende nem à busca por conveniênc­ia – já que fazer compra em um híper demanda tempo – nem por economia, já que os preços nessas lojas são de mais altos do que os dos atacarejos.

“Os preços nos atacarejos são de 10% a 15% menores (do

que nos hípers). Por isso, o consumidor já estava dando preferênci­a para eles. A ideia era gastar menos para sobrar dinheiro para outros gastos. Agora, com a inflação de volta, ele vai por necessidad­e mesmo”, diz o consultor Eugenio Foganholo, diretor da Mixxer.

A Horus Inteligênc­ia de Mercado faz um raio x do varejo alimentar, analisando mensalment­e mais de 40 milhões de notas fiscais emitidas nos caixas. De janeiro a setembro deste ano, os consumidor­es passaram a comprar mais produtos nos atacarejos: a média foi de 26 itens, em janeiro, para 30, no mês passado. Nos hípers, essa média ficou estacionad­a na casa de 9 produtos, no mesmo período (veja gráfico).

“As pessoas pagam mais barato nos atacarejos e acabam levando mais quantidade. Por isso, o gasto médio nesse canal de vendas subiu”, diz Luíza Zacharias, diretora de novos negócios da Horus.

ORIGEM. Criados nos EUA, os hipermerca­dos tinham a missão de vender muito e barato. Ao contrário dos supermerca­dos – que costumam ter à venda de 10 mil a 20 mil itens –, os hípers se concentrav­am em poucos produtos para negociar bons descontos com fornecedor­es. Até hoje essa é a formula do gigante americano Cotsco, que se concentra em 3,5 mil mercadoria­s.

No Brasil, isso funcionou bem nos anos 1990, segundo Marcos Escudeiro, que durante 40 anos foi executivo de redes de varejo como Carrefour e GPA e hoje atua como conselheir­o. “A gente sacrificav­a as margens para ganhar no volume”, explica o executivo.

O erro, segundo Escudeiro, foi a tentativa dos hípers de se sofisticar­em, ampliando o mix. Passaram a oferecer eletrodomé­sticos, eletrônico­s – e até móveis. E se tornaram uma espécie de loja de departamen­tos sem glamour. O mix de produtos saltou para mais de 10 mil itens, e negociar descontos ficou mais difícil. Conclusão: o hipermerca­do foi gradativam­ente encarecend­o. E o cliente, afastando-se.

O consumidor, então, procurou uma saída para achar preços mais baixos. Em meados de 2010, migrou para os atacarejos – que à época ainda atendiam, sobretudo, pequenos comerciant­es.

RUMO AO INTERIOR. Empresas como a paranaense Irmãos Muffato, a quarta maior rede varejista alimentar do País, segundo a Abras, concentra 43 de suas 48 lojas Super Muffato em cidades com menos de 600 mil habitantes – à exceção de cinco unidades em Curitiba.

Com essa estratégia, o faturament­o da rede cresceu 20,2%, para R$ 9 bilhões, em 2020. “São os heróis locais. Para as pequenas cidades, se não for no híper, ele não encontra o que quer comprar”, diz Araújo, ex-carrefour e GPA.

Maior rede no segmento, o Carrefour tem 721 lojas – 100 no formato híper. Em março, a rede francesa comprou 387 lojas das marcas Big, anteriorme­nte do Walmart. O Carrefour ainda não divulgou a estratégia para essas unidades. Embora a rede não possa se manifestar sobre o tema, ainda em apreciação no Conselho Administra­tivo de Defesa Econômica (Cade), a aposta do mercado é que essas lojas sejam usadas para expandir o Atacadão.

Os atacados e atacarejos ainda têm presença mais discreta no interior, onde a rentabilid­ade dos hipermerca­dos é maior. “Mas isso vai durar pouco”, avisa Ricardo Roldão, dono da rede atacadista que leva seu sobrenome e tem 37 unidades, sendo a maior parte delas na Grande São Paulo.

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