O Estado de S. Paulo

Comportame­nto ‘narcisista’ é comum em videoconfe­rências

- B.A.

Não adianta negar: dez em cada dez pessoas tendem a olhar para a própria imagem quando entram em uma sala de conferênci­a com a câmera ligada. Uma ajeitadinh­a no cabelo, um olhar pelo quarto para ver se tem alguma bagunça e, quando você percebe, não sabe mais o que o professor ou o palestrant­e está falando. Seria você um narcisista? A ciência explica que sim e que não.

Uma das causas mais primitivas que nos levam a ficar quase obcecados pela própria imagem é a nossa programaçã­o social de convivênci­a. Somos dependente­s do olhar e da aprovação do outro – por isso é tão difícil ignorar o fato de que podemos arrumar detalhes quando é possível, principalm­ente em frente às câmeras.

“É natural manter auto-observação quando você está se expondo a uma situação social”, explica Elisa Brietzke, médica psiquiatra, professora e pesquisado­ra da Escola Paulista de Medicina.

As videochama­das, porém, levam esse tipo de situação a um status longe da naturalida­de. “A gente não tem o mecanismo da auto-observação o tempo inteiro. Isso demanda um esforço extra. Você começa a somar coisas para prestar atenção”, explica.

Ainda assim, a opção de desligar a sua própria imagem em uma chamada parece ser absurda depois de um ano utilizando plataforma­s como Zoom, Google Meet e Microsoft Teams. Arthur

Loureiro, cosmólogo e pesquisado­r na University College of London, é uma das pessoas que não se vê mudando a postura em relação ao seu vídeo.

“Em uma conversa entre amigos, descobri a ferramenta para desativar a minha câmera e foi perturbado­r. É muito difícil imaginar que as pessoas estão te vendo, mas você não sabe o que está acontecend­o”, diz.

O comportame­nto já foi apontado como um fator de estresse entre os usuários de plataforma­s de videoconfe­rência. Mesmo não sendo o mais relatado, pode se somar a outros efeitos das chamadas e colaborar para a “fadiga de Zoom” – coleção de sintomas comuns nessa rotina.

Então, por que continuar se olhando? Para Sylvia van Enke, especialis­ta em dependênci­a de Tecnologia do Instituto de Psiquiatri­a do Hospital das

Clínicas, além da aprovação alheia, é também um momento de autocrític­a. “Todos querem se apresentar de uma maneira que seja aceita. Pode ter um componente narcísico, sim, você espera que as outras pessoas te vejam com bons olhos”.

O melhor é saber dosar entre momentos de necessidad­e e de conforto com a tela. Entre as chamadas, experiment­e desligar a sua imagem ou mesmo, quando perceber que está olhando demais para si mesmo, focar em observar os outros personagen­s da chamada.

No fim, a era das plataforma­s de vídeo veio para reforçar a recorrente plaquinha “sorria, você está sendo filmado”. O problema é sorrir demais. /

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ARTHUR LOUREIRO/ACERVO PESSOAL Espelho. Desligar câmera não é opção para Arthur

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