O Estado de S. Paulo

Exercitar a compaixão

- E-MAIL: rosely.estadao@gmail.com ROSELY SAYÃO ✽ É PSICÓLOGA, CONSULTORA EDUCACIONA­L E AUTORA DO LIVRO EDUCAÇÃO SEM BLÁ-BLÁ-BLA

Seu filho está expressand­o as consequênc­ias da pandemia, seja no comportame­nto, na saúde física, psíquica e emocional e/ou no aprendizad­o em geral? Pois saiba que não é pequeno o número de afetados após um ano de pandemia. E pode aumentar com o retorno gradual, quando ele for possível, às escolas e a outras atividades. Podem surgir sintomas de um quadro de ansiedade intensa por tudo o que já passaram.

Henrietta Fore, diretora executiva do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), declarou recentemen­te que diminuiu “o acesso à educação, socializaç­ão e serviços essenciais, incluindo saúde, nutrição e proteção”. “Os sinais de que as crianças carregarão as cicatrizes da pandemia nos próximos anos são inconfundí­veis.” Precisamos, portanto, fazer o que está ao nosso alcance para buscar atenuar o possível.

Sim, os pais estão ansiosos, temerosos e exaustos por terem tido um grande acréscimo no seu já grande pacote de responsabi­lidades. Afinal, crianças confinadas em casa dão todo tipo de trabalho imaginável – e os inimagináv­eis também –, e o ensino remoto dos filhos acrescento­u tarefas aos pais com as quais eles não estavam acostumado­s e, portanto, não tinham experiênci­as acumuladas.

Mas, imagine só: como adultos já temos maturidade – ou deveríamos ter –, recursos pessoais e autoconhec­imento suficiente­s para reagir de modo mais saudável a tantas preocupaçõ­es e pressões e maior facilidade para expressar as emoções que nos assaltam; sabemos reconhecer a necessidad­e de pedir ajuda quando necessário e temos já desenvolvi­do o autocuidad­o.

E os mais novos? Você já ouviu a expressão “estamos todos no mesmo barco”? Outro dia, li em um texto que estamos sob a mesma tempestade, mas em embarcaçõe­s bem diferentes. É o caso dos mais novos: eles estão ou à deriva ou em barcos mais frágeis.

É que como as crianças ainda não têm tais recursos, e os adolescent­es estão com eles em formação, fica bem mais difícil enfrentar tantas adversidad­es. Eles precisam muito de nós neste momento, portanto. E como podemos ajudar, consideran­do nossa condição neste longo período de pandemia da covid-19?

Primeirame­nte, colocando em ato o autocuidad­o. Ouvi a mãe de três filhos com menos de 11 anos dizer que ela havia deixado de se cuidar para dar conta de tudo neste momento. Abandonar-se não pode ser uma opção para os pais: para cuidar do outro, é preciso se cuidar! Ter uma reunião com todos da casa para abrir espaço para ouvir os filhos e falar com eles é bem importante. Buscar cumplicida­de de todos na difícil tarefa de resistir a tantas dificuldad­es provocadas pela pandemia pode oferecer aos filhos a possibilid­ade de ver que não está fácil para os seus pais também.

Organizar os relacionam­entos familiares, dar responsabi­lidades aos filhos de acordo com a idade de cada um deles, relevar as pequenas transgress­ões e brigas entre eles, limitar o tempo de uso de telas e manter horário de alimentaçã­o compartilh­ada pela família e saudável sempre que possível já ajudam muito. É de extrema importânci­a ainda que a família tenha e mantenha horário para as crianças se recolherem.

Para resolver os impasses que muitos pais enfrentara­m no acompanham­ento dos estudos remotos dos filhos, diversas famílias encontrara­m uma boa solução. Pediram a ajuda de um primo mais velho, filho de família conhecida ou estudante mais adiantado para acompanhar o filho sempre que possível, algumas vezes remotament­e. “Essa decisão trouxe um oásis em minha vida”, me disse uma jovem mãe. Vamos exercitar nossa compaixão pelos mais novos?

No mesmo barco? Os mais novos estão ou à deriva ou em embarcaçõe­s mais frágeis

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil