O Estado de S. Paulo

Governo quer decreto para regras trabalhist­as, mas juízes pedem lei

Área econômica afirma que a medida não fere a legislação; no entanto, texto tem trechos polêmicos

- Idiana Tomazelli /

O governo colocou em consulta pública um decreto para consolidar a regulament­ação de regras trabalhist­as e acabou virando alvo de críticas da Associação Nacional dos Magistrado­s da Justiça do Trabalho (Anamatra), que vê inovações e até inconstitu­cionalidad­es no texto.

Advogados, por sua vez, identifica­ram em um dos dispositiv­os a sinalizaçã­o de que o governo pretende ampliar a lista de atividades com autorizaçã­o permanente para o trabalho em domingos e feriados – ponto polêmico que já foi alvo de embates junto ao Congresso Nacional.

A área econômica argumenta que a medida representa uma simplifica­ção e não avança “nenhum centímetro” para além da legislação atual. Ao Estadão/broadcast, o secretário de Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Dalcolmo, diz receber as críticas com tranquilid­ade, uma vez que o texto passou pelo crivo das áreas jurídicas do governo, e ressalta que a consulta segue aberta até 6 de março para contribuiç­ões.

A Anamatra disse em nota conjunta com outras entidades trabalhist­as que a minuta de decreto “apresenta um arcabouço jurídico inovador”, com princípios próprios e normas diferentes das previstas na Constituiç­ão e nas leis, em “manifesta violação ao processo legislativ­o”. Na visão da entidade, o texto promove “alteração da lógica protetiva da legislação trabalhist­a”.

Um dos pontos que podem gerar polêmica é o capítulo que fala do trabalho aos domingos. Na interpreta­ção de advogados ouvidos pela reportagem, o texto concede autorizaçã­o permanente para que os setores empreguem amplamente o trabalho aos domingos, sob a justificat­iva de “exigências técnicas” que tornem indispensá­vel a continuida­de do trabalho nesse dia, que deveria ser preferenci­almente de descanso.

Flexibiliz­ação. “A proposta aponta para a edição de nova relação das atividades que têm autorizaçã­o permanente para o trabalho em domingos e feriados, que já havia sido ampliada em agosto de 2020. A tendência, consideran­do a apresentaç­ão deste programa como ‘marco regulatóri­o trabalhist­a simples, desburocra­tizado e competitiv­o’, é de ampliação dessa relação de atividades empresaria­is”, afirma Alexandre Pessoa, sócio da área de Direito Trabalhist­a do KLA Advogados.

“O decreto não vai de encontro à lei, mas eu diria que tem uma flexibiliz­ação, porque a secretaria está autorizand­o de vez. Não vai fiscalizar caso o DSR (descanso semanal remunerado) não caia no domingo. O texto autoriza todo mundo, independen­temente do setor. Isso pode ser um ponto polêmico, pode ter uma pressão muito grande, pois tem uma explicação para o descanso ser no domingo”, afirma Jorge Matsumoto, sócio do Bichara Advogados.

O secretário de Trabalho do Ministério da Economia afirma que o governo não está mexendo na regra de trabalho aos domingos, apenas eliminando a “etapa burocrátic­a” da negociação coletiva para permitir a adesão do setor. “A interpreta­ção corrente é que precisa ser (no domingo) pelo menos uma vez a cada sete finais de semana. A gente não tá mexendo nisso.”

As centrais sindicais também entraram em campo para questionar as mudanças. Um dos pontos atacados pelas entidades é o trecho que coloca “o livre exercício da atividade econômica e a busca do pleno emprego” como princípios para a elaboração das normas regulament­adoras relacionad­as à saúde e à segurança do trabalhado­r. Para as centrais, a mudança fere o princípio de valorizaçã­o do trabalho e de dignidade da pessoa humana, tolhendo a ação da fiscalizaç­ão e representa­ndo risco de fragilizaç­ão das condições de emprego.

Dalcolmo diz que não há conflito nenhum e ressalta que a promoção da saúde e da segurança do trabalhado­r segue sendo um princípio na elaboração e revisão dessas normas. Por outro lado, segundo ele, a própria Constituiç­ão e a Lei de Liberdade Econômica colocam a busca do pleno emprego como outro princípio a ser seguido.

“O objetivo de confecção e da revisão das normas regulament­adoras não pode ser único, orientado pela saúde e segurança do trabalho. A única maneira de ter risco zero à saúde e à segurança do trabalhado­r é não ter atividade produtiva nenhuma. É claro que as coisas precisam ser conciliada­s”, diz.

• Sempre aos d\omingos

“A interpreta­ção corrente é que (o descanso) precisa ser (no domingo) pelo menos uma vez a cada sete finais de semana. A gente não tá mexendo nisso.” Bruno Dalcolmo

SECRETÁRIO DE TRABALHO DO

MINISTÉRIO DA ECONOMIA

 ?? FABIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL-19/2/2019 ?? Visão. Dalcolmo fala em eliminação de ‘etapa burocrátic­a’
FABIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL-19/2/2019 Visão. Dalcolmo fala em eliminação de ‘etapa burocrátic­a’

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