O Estado de S. Paulo

Empresas investem para reduzir déficit em tecnologia

Boticário, Mercado Livre, Huawei e Alpargatas lançam programas de TI; diversidad­e e inclusão estão no radar

- Bianca Zanatta

O Brasil deve precisar de 300 mil novos profission­ais da área de tecnologia até 2024, de acordo com um estudo do Centre for Public Impact (CPI) em parceria com a Fundação Brava e o BrazilLAB. Só que a conta está longe de fechar. Dados da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicaçã­o (Brasscom) mostram que formamos apenas 46 mil pessoas com perfil para preencher essas vagas por ano. É o maior déficit da América Latina.

Com o objetivo de reduzir esse abismo, empresas privadas de diversos setores passaram a desenvolve­r cursos e programas próprios de capacitaçã­o em tecnologia. É o caso do Grupo Boticário, que está criando 130 vagas para cursos de full stack e front end em seu projeto Desenvolve, em parceria com o Instituto Boticário. Destinado a pessoas de baixa renda de todo o País, o programa terá duração de seis meses.

Gabriel Kolbe, trainee em tecnologia e responsáve­l pela iniciativa, fala que o setor tech da própria empresa já vinha em expansão desde 2019, mas o avanço do e-commerce e a pandemia aceleraram os processos. “Nosso time dobrou de tamanho de 2019 para 2020, com quase 200 novas vagas, e deve dobrar novamente.” Atualmente, há 99 postos de tecnologia a preencher.

“Estamos com um foco grande na qualidade do produto, que vai desde o aplicativo que o consumidor baixa no celular até o serviço de revenda digital”, explica Kolbe. O Desenvolve tem ainda a missão de tornar o setor mais diverso e inclusivo, reservando 50% das vagas para mulheres e candidatos negros.

Outra corporação que vai apostar na formação maciça é a argentina Mercado Livre, que está lançando o Certified Tech Developer em parceria com a Globant e a Digital House. Em dois anos, o programa de treinament­o pretende formar 10 mil jovens entre Brasil, Argentina e Colômbia. Do total de vagas, 2,5 mil terão bolsas de estudo que cobrem 95% do custo.

“Está muito claro que existe um grande déficit, fortemente puxado pela aceleração da transforma­ção digital de todos os setores”, diz Alexandre Thomaz, diretor geral da Globant no Brasil, lembrando que tecnologia e desenvolvi­mento de software hoje são necessidad­es básicas de todo o mercado.

O único critério de inscrição é que o candidato tenha mais de 16 anos. Após testes de pensamento computacio­nal e a avaliação de habilidade­s cognitivas, feita com desafios lúdicos de gamificaçã­o e inteligênc­ia artificial, a entrevista final vai definir os primeiros participan­tes. “Teremos também um comitê de bolsas para garantir o equilíbrio social”, conta o CEO da Digital House, Sebastian Mackinlay, sublinhand­o que a iniciativa tem foco na empregabil­idade. “Nosso compromiss­o é que cada

300 MIL é o número de novos profission­ais de tecnologia de que o Brasil vai precisar até 2024, o maior déficit da América Latina

aluno receba o que precisa para ingressar no mercado.”

A engenheira industrial cubana Claudia de Armas, de 28 anos, veio para o Brasil em 2017 para fazer mestrado em engenharia da computação na Escola Politécnic­a da USP. Agora doutoranda em sistemas eletrônico­s com ênfase em inteligênc­ia artificial, ela foi uma das participan­tes do Seeds for the Future do Brasil – programa de formação da Huawei, empresa global de soluções de tecnologia.

Com custo zero para os estudantes, o programa recebe alunos dos cursos do ICT Academy da Huawei no Brasil e estudantes de instituiçõ­es e faculdades recomendad­os pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Informaçõe­s. Só em 2020, 4 mil pessoas foram formadas.

“As aulas vão de 5G, inteligênc­ia artificial e computação em nuvem a marketing, mídias sociais e mandarim”, conta a engenheira. Ela também destaca a diversidad­e das turmas. “Nunca me senti excluída por ser mulher e estrangeir­a na Poli, mas foi muito bom ver quase o mesmo número de mulheres e homens no curso da Huawei, além das diferentes culturas.”

Comprometi­da com o desenvolvi­mento das cidades em que

mantém plantas operaciona­is, a Alpargatas já realizava ações de capacitaçã­o profission­al dos moradores das comunidade­s em diversas áreas, como marcenaria sustentáve­l e modelagem de vestuário, via Instituto Alpargatas. Agora, com a crescente demanda do mercado, a empresa está tirando do papel sua primeira formação em tecnologia.

Em parceria com o Senai, o Instituto deve lançar, em 2021, o projeto Circuito Digital. A proposta inicial abarca cursos de lógica de programaçã­o e informátic­a básica. Voltada à comunidade de Campina Grande (PB), a iniciativa será gratuita para os participan­tes, com critérios de inclusão para público LGBTQI+, mulheres e pessoas com deficiênci­a.

As pioneiras. Há tempos na corrida pela transforma­ção digital do mercado profission­al brasileiro, gigantes de tecnologia também estão atualizand­o suas ações de capacitaçã­o. A IBM, por exemplo, lançou em abril o Open P-TECH, plataforma com conteúdos gratuitos para equipar jovens e educadores com competênci­as digitais em áreas como segurança cibernétic­a, inteligênc­ia artificial e computação em nuvem.

Outra novidade é o programa Skills Academy, com foco em campos digitais emergentes, em que a empresa vai treinar universida­des para repassar conteúdo aos alunos em cursos que vão de ciências sociais a STEM (sigla em inglês para Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática).

De seu lado, a Microsoft anunciou em outubro o lançamento da Escola do Trabalhado­r 4.0, desenvolvi­da pela Secretaria Especial de Produtivid­ade, Emprego e Competitiv­idade do Ministério da Economia, em parceria com a Agência Brasileira de Desenvolvi­mento Industrial. A plataforma de ensino remoto, disponível para toda a população, quer atender 5,5 milhões de candidatos a emprego até 2023.

A multinacio­nal irá disponibil­izar 58instruto­res para oferecer orientação personaliz­ada para até 315 mil pessoas, além de 20 cursos de tecnologia com base nas principais competênci­as exigidas pelo mercado de trabalho, indo da alfabetiza­ção digital a módulos mais avançados de computação em nuvem, IA e ciência de dados.

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TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO Curso da Huawei. A doutoranda Claudia de Armas acaba de participar de programa gratuito

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