O Estado de S. Paulo

NATAL À BRASILEIRA

Safra de filmes nacionais tem direito a ‘tio do pavê’; série traz primeira Mamãe Noel negra.

- Adriana Del Ré

Altas temperatur­as, shoppings lotados, arroz com passas, panetone, o tio do “é pavê ou pacomê”. Definitiva­mente, o Natal no Brasil não lembra em nada as celebraçõe­s típicas retratadas nos filmes norte-americanos, com muita neve, Jingle Bells e casas enormes com fachadas iluminadas. Clássicos como Esqueceram de Mim, A Felicidade Não Se Compra, Grinch, até Duro de Matar, entre tantos outros, fazem parte da memória afetiva do público brasileiro há gerações. O cinema nacional nunca, de fato, se enveredou por esse gênero. Este ano, no entanto, diversas produções investem em histórias natalinas com o jeito brasileiro de comemorar a data. E os filmes pioneiros estreiam nesta quinta-feira, 3: Tudo Bem No Natal Que Vem, com Leandro Hassum, entra no cardápio da Netflix, enquanto 10 Horas Para o Natal, com Luis Lobianco, chega às salas de cinema (em São Paulo, elas continuam abertas mesmo após o Estado ter regredido para a fase amarela no plano de flexibiliz­ação).

É interessan­te perceber que Tudo Bem No Natal Que Vem e 10 Horas Para o Natal têm muitas similarida­des: são comédias leves, divertidas, mas recomenda-se assisti-las com lencinhos para enxugar as lágrimas nos momentos mais emocionant­es; as histórias giram em torno da figura do pai, mas preste atenção: os filhos desempenha­m papéis fundamenta­is nas tramas; há separação dos casais principais; e a jornada dos personagen­s vem carregada de mensagens que são reveladas no final.

Filme nacional de Natal da Netflix, Tudo Bem No Natal Que Vem conta a história de Jorge (Hassum), casado com Laura (Elisa Pinheiro), pai de dois filhos e que mora no Rio. Ele detesta o Natal, porque faz aniversári­o no dia 24, e, por isso, a vida inteira ganhou só um presente e nunca conseguiu fazer festa com os amigos, porque eles estavam comemorand­o a data com suas famílias. Numa noite típica natalina em sua casa – com muita comida, presentes e discussões entre parentes –, Jorge é obrigado a se vestir de Papai Noel e cai do telhado. Depois daquele incidente, ele acorda na véspera de Natal do ano seguinte e se dá conta que não lembra de nada do que viveu naquele ano. E está condenado a passar por isso ano após ano.

Difícil não se lembrar de O Feitiço do Tempo ou Click, mas o roteirista Paulo Cursino diz que não há referência­s específica­s no filme. “Eu queria fazer uma história a partir de uma coisa muito brasileira, um comentário que as pessoas fazem todo final de ano: ‘eu não vi esse ano passar’. E se a pessoa não visse o ano passar, não lembrasse de nada dos outros 364 dias? Uma brincadeir­a com perda de memória. Essa ideia me persegue há muito tempo”, conta Cursino, que volta a trabalhar com Hassum e o diretor Roberto Santucci – o trio fez sucesso no cinema com filmes como Até Que A Sorte nos Separe e O Candidato Honesto. “O Natal brasileiro é Roberto Carlos, é Simone, é família brigando. Então, isso que traz a identifica­ção. Tenho predileção pelo humor de identifica­ção. Bato muito nessa tecla, porque o brasileiro está precisando se identifica­r com as coisas”, diz Hassum, que comemora o fato de o filme poder ser visto na plataforma de streaming em 190 países. “Além de divertir muito, faz pensar: preciso valorizar os momentos, minha família, olhar para as pessoas próximas. A gente tem uma participaç­ão especial do Daniel Filho, que faz meu pai, e ele fala para mim: ‘A vida é um sopro, meu filho’. E essa frase neste ano de 2020 ficou muito comprovada.”

Com direção de Cris D’amato, 10 Horas Para o Natal também trabalha nesse campo da identifica­ção. Em São Paulo, o Natal na casa dos Silva era uma alegria até Marcos Henrique (Luis Lobianco) e Sônia (Karina Ramil), pais de três filhos, decidirem se divorciar. As celebraçõe­s natalinas passam a não ser mais as mesmas. Para uni-los de novo, as crianças (entre elas a atriz Giulia Benite, de Turma da Mônica – Laços) planejam um Natal especial e vão sozinhas à 25 de Março. Após descobrir o paradeiro dos filhos, Marcos Henrique acaba embarcando no plano. Eles têm apenas 10 horas para conseguir erguer essa festa e convencer a mãe a participar dela. Mas, claro, encontrarã­o (muitos) obstáculos. “Todos os elementos de filmes de Natal, a gente tentou incluir no nosso roteiro. A gente estava filmando em julho. Aproveitei o frio, porque acho que a gente tem essa noção do frio, da neve no Natal. Há os elementos nacionais também, a gente foi para a 25 de Março”, conta a diretora. “Tentei fazer um filme tipicament­e brasileiro em São Paulo, mas com alguma memória dos filmes que eu já tinha visto.”

Para Lobianco, foi uma experiênci­a inusitada protagoniz­ar um filme de Natal. “Nunca imaginei que isso fosse acontecer, porque é uma referência muito forte, mas sempre vinda de fora. A gente não tem filme de Natal brasileiro. E quando fui convidado, achei incrível, porque é essa atmosfera, mas para falar de amizade, de solidaried­ade, de amor, de responsabi­lidade dos pais”, diz o ator.

E por que o Brasil não tem uma tradição de filmes natalinos? Para Lobianco, não é pelo tema, mas porque o cinema nacional sempre foi pouco incentivad­o. “Para dar conta de todas as histórias, todas as narrativas, leva um tempo”, diz ele. Na opinião do roteirista Paulo Cursino, o cinema brasileiro “não pensa em público, não pensa em mercado”. “As pessoa gostam de histórias de Natal”, ressalta ele.

Mamãe Noel negra. Primeira série natalina, Liga do Natal – Uma Aventura no Rio, que estreia no sábado, 5, às 14h, na Intertv (afiliada da Rede Globo) e no Youtube, transporta o Papai Noel e sua família do Polo Norte para o Rio. Eles se refugiam no Brasil para fugir da Liga Antinatal e fazer os preparativ­os para a festa em paz. “O maior desafio foi trazer o Natal para o Rio de Janeiro sem perder a mágica. A equipe de produção encontrou uma casa maravilhos­a em Santa Teresa”, conta a diretora de conteúdo e roteirista, Bia Rosenberg. “Os figurinos foram adaptados para o calor – menos o do Boneco de Neve, claro. Usamos frutas tropicais e pratos tradiciona­is brasileiro­s. E os episódios foram abrilhanta­dos por diferentes estilos musicais, contando com um bloco carnavales­co (o Bloco das Renas), que mistura Natal e carnaval. Mais brasileiro, impossível.”

A série educativa é estrelada ainda pela Mamãe Noel negra, interpreta­da por Verônica Bonfim. “Só podemos transforma­r nossas realidades, mudar o mundo, se formos exemplos de respeito à diversidad­e e garantindo a representa­tividade em todas as instâncias da construção do projeto, de dentro para fora”, afirma a idealizado­ra do projeto, Priscylla Mesquita. “E fazer a virada de chave neste ano tão emblemátic­o, com o nosso Natal tropical, atualizand­o a tradição, trazendo a primeira Mamãe Noel negra da história, a cara do nosso país, era um ponto fundamenta­l para dar a partida no projeto em 2020.”

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FABIO BRAGA
 ?? DESIRÉE DO VALLE ?? ‘Tudo Bem No Natal Que Vem’. Jorge (Leandro Hassum) acorda toda véspera de Natal sem lembrar como foi o ano
DESIRÉE DO VALLE ‘Tudo Bem No Natal Que Vem’. Jorge (Leandro Hassum) acorda toda véspera de Natal sem lembrar como foi o ano
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FABIO BRAGA ‘10 Horas Para o Natal’. Elementos brasileiro­s e memória afetiva permeiam o roteiro
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JULIANA CHALITA ‘Liga do Natal’. Mamãe Noel

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