O Estado de S. Paulo

RAP FEITO ENTRE PARCEIROS

Em Tempestade Numa Gota D’água, Projota reúne convidados como Cynthia Luz e Maria Rita

- Danilo Casaletti

Quando, em 2016, um temporal atingiu em cheio o rapper paulistano Projota, de 34 anos, ele pediu socorro aos amigos. O mau tempo que ele enfrentava era uma depressão que lhe tirou o ânimo para fazer aquilo que sempre sonhou: levar sua música para as pessoas. A saída, segundo ele, foi encontrar o equilíbrio entre o que pode afogar ou apenas molhar – algo que ele aborda de maneira mais ampla no álbum Tempestade Numa Gota D’água, que teve, na sexta-feira, 11, o quinto single lançado nas plataforma­s e no formato de videoclipe: Nossa Lei, parceria com o carioca Xamã e o produtor Insane Tracks.

A canção fala sobre um casal que, apesar de algumas diferenças, dá de ombros para as convenções do mundo e constrói seu universo para viver junto. A letra traz uma citação direta do sucesso O Sol, de Vitor Kley, e relembra o verso “não vem de garfo que hoje é dia de sopa”, cantado por Wilson Simonal nos anos 1960. “Quando eu fiz o refrão ‘o mundo que se dane, a gente faz nossa lei’, achei que tinha muito a ver com Xamã. Ele é um cara que não se importa com padrões estipulado­s. Ele fala como ninguém da massa, do cotidiano popular”, diz Projota, que ainda chama atenção para o flow (a forma como a letra se encontra com o ritmo) usado pelo parceiro. “É o do vendedor de amendoim, que fala rápido, mas passa a mensagem e te vende o produto. Sou muito fã dele”, diz.

Xamã, que, desde 2017, tem chamado atenção no mundo do rap e prepara um novo álbum para novembro, devolve o elogio. “Sempre ouvi o som do Projota; ele é um dos pioneiros no Brasil a tocar no rádio. Se o rap vive um momento bom, deve isso muito a ele. Fazer uma parceria com Projota é como fincar uma bandeira na Lua”, diz. A história do amendoim não é à toa. “Eu vendia no trem. Para oferecer para as pessoas, fazia uma rima. Quando saía mais suingado, elas compravam. É aquele suingue de camelô, das ruas, que eu trouxe para o meu rap”, conta.

Outra canção do álbum Tempestade Numa Gota D’água que tem como objetivo desconstru­ir algo enraizado na sociedade é Sai do Rolê, lançada em maio, que fala sobre a inadequaçã­o masculina. Cantados em dueto com a mineira Cynthia Luz, os versos pedem respeito às “minas” e condena quem as seguram – sem consentime­nto – na cintura ou pelo cabelo na balada.

“Quando minha filha nasceu (o rapper foi pai de Marieva em

fevereiro deste ano), visualizei como iria ser o futuro dela, já que a rua é extremamen­te hostil com as mulheres. A gente tem que lutar diariament­e, interna e externamen­te, contra o machismo. E sempre dar um toque para o amiguinho: ‘olha, isso não é legal’”, diz Projota, que acredita que todo mundo tem a chance de mudar e, por isso, se diz contra a cultura do cancelamen­to, muito comum nas redes sociais atualmente. “Quando uma pessoa comete um erro, dá para você perceber se não foi por mal. E você precisa dar um tempo para ela mudar. Ninguém tem direito de acabar com a vida do outro por um erro. Muitas vezes, os que julgam são os que cometem as mesmas falhas.”

Faixa de temática mais forte,

Salmo 23 – aquele que fala “Deus é meu pastor e nada me faltará” – aponta as nuvens que ajudaram a formar a tempestade que atingiu Projota anos atrás. Entre elas, as dificuldad­es que teve na vida, a morte da mãe aos 9 anos, a busca pela fé e a violência das ruas. Escrita por Projota mais uma vez em parceria com Insane Tracks, a música ainda traz uma reflexão sobre a fama, algo que, nos últimos anos, o rapper tem vivenciado de perto – ele soma mais de mais de 1,5 bilhão de visualizaç­ões em seu canal na VEVO, foi destaque na edição do Rock in Rio no ano passado e soma singles de diamante duplo, diamante, ouro e platina.

Por meio dos versos “arrumei o sofá, mas me sentei na escada / pra me observar de fora ali deitado no sofá”, ele mostra que não quer cair na armadilha do comodismo. “Ao ouvir uma composição minha, eu já a analiso. Escrevo rap há 18 anos e faço o máximo para que minha música seja feita com o mesmo instinto do começo, mas como uma pessoa que está sempre se reinventan­do. Faço de tudo para acreditar que eu não tenho a fórmula. Não a repito e não tenho medo de buscar parcerias com outros estilos – e esse é o segredo do meu sucesso”, aponta ele, que já cantou com Anitta, Anavitória, Thiaguinho, o grupo cubano de hip-hop Orishas e o cantor colombiano J Blavin.

Tempestade Numa Gota D’água foi concebido para ser lançado em duas partes neste ano, mas, por conta da pandemia, a estratégia foi alterada e, a partir de agora, as faixas chegarão ao público de maneira mais espaçada. A última, no primeiro

trimestre do próximo ano, será

Vale das Sombras, um dueto com a cantora Maria Rita, já gravada e com videoclipe pronto. “Essa música vai encerrar esse ciclo de falar sobre a depressão. Foi a primeira que fiz para Deus, da forma como o enxergo, uma energia que se conecta conosco e que me tirou desse vale das sombras. Não é religião, mas algo espiritual”, diz.

Projota só pôde comprar seu primeiro videogame aos 25 anos – com o cachê que ganhou em uma apresentaç­ão. Era um Playstatio­n 2, aparelho já ultrapassa­do para a época. De lá para cá, o entusiasmo pelos jogos só aumentou. Em sua casa, há uma área só para isso, com decoração temática, planejada para ser cenário de um canal sobre o tema, ideia que ele alimenta há cerca de três anos.

Com a parada forçada pela pandemia, o rapper sentiu que era a hora de dar o play no canal

Projota Game Room, no Youtube, no qual apresenta diferentes quadros, entre eles, o Vem

Pro X1, que, quinzenalm­ente, recebe um convidado para um bate-papo e, claro, uma partida; e

o Casal Que Joga, em parceria com sua mulher, a atriz Tâmara Contro. Para roteirizar e editar o conteúdo, ele conta com a ajuda do jornalista Cássio Barco. Lançado há 3 semanas, o canal já conta com quase 40 mil inscritos. “Meu sonho sempre foi ter todos os videogames que lançassem. É uma paixão mesmo. A partir do momento que pude comprar, não parei mais”, diz.

A faixa Videogxme, lançada em julho, aborda universo gamer – com um discurso sensual, de um casal que joga junto, e desmonta o estereótip­o do geek. “Ela se veste de fantasma e sai correndo pela casa/ Vou correndo atrás só pra brincar de Pac Man/ E você deve tá pensando, que maluco nerd/ Nunca vi misturar sexo com videogame/fica tranquilo aí, chefinho, no game cê perde/ E no outro jogo eu te garanto que perde também”, diz a letra.

Para além das partidas, o canal fez com que Projota descobriss­e que se sente bem em frente às câmeras. “Acredito que esse canal pode não levar apenas a minha música para um público maior, mas, principalm­ente, a minha imagem. Sempre tive vontade de apresentar um programa. É algo que eu me ‘amarraria’ em fazer. E isso é um começo”, diz.

PROJOTA SOMA MAIS DE 1,5 BILHÃO DE VISUALIZAÇ­ÕES EM SEU CANAL NA VEVO

PAIXÃO ANTIGA, VIDEOGAME DEU ORIGEM A UMA SÉRIE TEMÁTICA NO YOUTUBE

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RUI MENDES Em dupla. Xamã (à dir.) é um dos que participam

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