Ex-ministros da Fazenda pedem retomada ‘verde’
Documento que também será assinado por ex-presidentes do BC propõe adoção de agenda de investimentos sustentáveis pós-covid
Depois da pressão dos investidores internacionais e empresários nacionais, ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central vão se reunir para lançar, na próxima semana, uma carta conjunta em defesa de uma recuperação econômica “verde” após a pandemia da covid-19 e o controle firme do desmatamento da Amazônia.
O documento, uma iniciativa coordenada pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS) e pelo Instituto O Mundo Que Queremos, vai sugerir diretrizes para uma agenda de investimentos sustentáveis voltada para uma economia de baixo carbono.
É a primeira vez que ex-dirigentes da equipe econômica do governo federal se juntam para fazer uma mobilização com foco no meio ambiente e na busca de uma convergência nacional em torno do tema.
O movimento ocorre depois dos alertas sucessivos para o risco de o Brasil afastar investimentos estrangeiros e também perder mercado internacional para os produtos nacionais por conta da política ambiental do governo Bolsonaro – principalmente nas áreas de fiscalização do desmatamento, controle das queimadas na Amazônia e nas tentativas sucessivas de mudanças da legislação ambiental.
Entre os signatários, estão Arminio Fraga, Eduardo Guardia, Henrique Meirelles, Ilan Goldfajn, Joaquim Levy, Maílson da Nóbrega, Persio Arida e Rubens Ricupero.
Segundo Guardia, ex-ministro da Fazenda do governo Michel Temer, a carta trata de princípios sobre a importância de uma economia de baixo carbono. Para ele, tem havido ruído com relação à questão ambiental no Brasil, o que afeta a percepção dos investidores.
Guardia ressalta a necessidade de o País aumentar investimentos sustentáveis para impulsionar a produtividade, sobretudo em capital humano qualificado. “Precisamos enfrentar fortemente o desmatamento e pensar no nosso crescimento de maneira sustentável e com mais produtividade.” Para ele, esses temas têm de estar em qualquer estratégia de crescimento e desenvolvimento de qualquer País.
Para Maílson da Nóbrega, ministro da Fazenda no governo Sarney, a carta é uma reação à maneira com que o governo vem tratando o meio ambiente. “Ninguém estava preparado para a pandemia, mas outro choque que pode vir a acontecer é o da mudança climática, com consequências piores.”
Maílson diz que é um equívoco o diagnóstico do governo Bolsonaro de que a pressão internacional tem razões geopolíticas porque o Brasil se tornou uma potência agrícola. “Isso é teoria conspiratória. Esses investidores não têm nada a ver com governos. A motivação não é política”, diz. Para ele, se a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, não estiver preocupada com o tema ambiental, deveria estar, porque o mundo exige políticas responsáveis.
Ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente, Rubens Ricupero diz que a carta é diferente dos outros manifestos recentes – muitos dos quais também tiveram a sua participação. “Ele não é de curto prazo. É mais uma visão de aproveitar a saída da pandemia para não repetir o mesmo padrão da economia do passado”, afirma.
Ricupero ressalta que a Europa agora está fazendo uma “recuperação verde”, e essa é também a proposta dos democratas na campanha das eleições presidenciais americanas neste ano. “A saída da crise econômica deve ser feita com economia de energia limpa e sustentável e geração de empregos nessa área.”
Ex-ministro da Fazenda no governo Temer e ex-presidente do BC no governo Lula, Henrique
Meirelles considera que a retomada econômica é compatível com a preservação ambiental. “É muito importante o alinhamento total com as normas ambientais internacionais para viabilizar o volume de investimentos externos necessários para o crescimento sustentável”, diz Meirelles, atual secretário de Fazenda do Estado de São Paulo.
Discurso oficial. Antes tratada como preocupação isolada de setores como agrícola, energético e ambiental, o debate sobre a proteção do meio ambiente e a imagem negativa no exterior entrou mais fortemente na agenda econômica. O ministro Guedes, no entanto, tem encampado o discurso do Planalto de que a pressão política na área ambiental segue razões comerciais.
O Ministério da Economia é sempre cauteloso nas manifestações públicas, mas o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tem tomado a dianteira ao expor, dentro do governo e em público, os riscos envolvidos para o País. Em reunião do Conselho de Governo, no dia 21 de janeiro, o presidente do BC relatou aos presentes o temor de o debate ambiental prejudicar o Brasil na área econômica.
“O tema da mudança climática está na agenda de todos os bancos centrais. Os banqueiros centrais da Europa dedicam muito tempo à discussão ambiental”, afirmou Campos Neto, em teleconferência recente organizada pelo Climate Bonds Initiative (CBI), com o tema: “Destravando o potencial de investimentos verdes para agricultura no Brasil”.
Integrantes do Ministério da Economia têm recebido avisos de gestores de fundos de investimento estrangeiros que procuram o governo para enfatizar a questão ambiental. A avaliação é de que o governo precisa mostrar que o País se importa com isso. Os investidores estrangeiros são “clientes” do Tesouro na compra de títulos da dívida pública no Brasil e no exterior.
Mudança
“O tema da mudança climática está na agenda de todos os bancos centrais. Os banqueiros centrais da Europa dedicam muito tempo a essa discussão.”
Roberto Campos Neto
PRESIDENTE DO BC