O Estado de S. Paulo

Em defesa da democracia e sustentabi­lidade

Carta aberta do Fórum de ex-ministros do Meio Ambiente pede a autoridade­s compromiss­o com os princípios constituci­onais

- CARLOS MINC, EDSON DUARTE, GUSTAVO KRAUSE, JOSÉ CARLOS CARVALHO, IZABELLA TEIXEIRA, MARINA SILVA, RUBENS RICUPERO, SARNEY FILHO E JOSÉ GOLDEMBERG

Vivemos inédito momento histórico de aviltament­o e ameaça à democracia consagrada na Constituiç­ão de 1988 de parte do próprio Poder Executivo por ela constituíd­o.

A omissão, indiferenç­a e ação anticientí­fica do governo federal transforma­ram o desafio da covid-19 na mais grave tragédia epidemioló­gica da história recente do Brasil, causando danos irreparáve­is à vida e saúde de milhões de brasileiro­s. A tragédia seria ainda maior não fosse a ação de Estados e municípios, apoiados por Legislativ­o e Judiciário.

A sustentabi­lidade socioambie­ntal está sendo comprometi­da de forma irreversív­el por aqueles que têm o dever constituci­onal de garanti-la.

A destruição dos biomas brasileiro­s avança em taxas aceleradas que não se registrava­m há mais de uma década, com aumentos expressivo­s de desmatamen­tos na Amazônia, no Cerrado e na Mata Atlântica, enquanto os órgãos ambientais e as normas federais são sistematic­amente desmantela­dos. Povos indígenas, comunidade­s quilombola­s e populações tradiciona­is veem crescer de modo exponencia­l as ameaças aos seus território­s e às suas vidas.

A degradante reunião de 22 de abril passado é o retrato fiel desse desgoverno, com horas dedicadas a ofender e desrespeit­ar de maneira abjeta os demais poderes do Estado, sem uma palavra de comando para o enfrentame­nto da crise econômica ou superação da crise “pandêmica”.

A única menção à pandemia, feita pelo ministro do Meio Ambiente, não se destinou a estabelece­r conexões entre a agenda da sustentabi­lidade e os desafios na saúde e na economia, mas, inacredita­velmente, para se aproveitar do sofrimento geral em favor dos nefandos interesses que defende. Na ocasião, confessou de público o que pode caracteriz­ar crime de responsabi­lidade, por desvio de função e poder, ao revelar o verdadeiro plano em execução por este governo que é “passar a boiada” sobre a legislação socioambie­ntal aproveitan­do o “momento de tranquilid­ade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de covid”. Causa indignação e espanto que a proposta não merecesse reprimenda em nome do decoro, nem reparo dos presentes, em defesa da moral e da honra.

Responsáve­is durante décadas pela política ambiental desde a redemocrat­ização do País, criamos este Fórum para demonstrar que a polarizaçã­o e radicaliza­ção promovidas pelo governo podem e devem ser respondida­s com a união e colaboraçã­o entre pessoas de partidos e orientaçõe­s diferentes fiéis aos valores e princípios da Constituiç­ão. Como ex-ministros do Meio Ambiente nossa responsabi­lidade específica se consubstan­cia na valorizaçã­o e preservaçã­o do meio ambiente e no desenvolvi­mento sustentáve­l. Aprendemos, porém, pela dura experiênci­a com o atual governo, que quando a democracia, a liberdade e a Constituiç­ão são ameaçadas e/ou violentada­s os primeiros valores sacrificad­os são os relativos ao meio ambiente e direitos humanos.

Sem democracia forte, não haverá sustentabi­lidade. Sem sustentabi­lidade, não haverá futuro para nenhum povo. Diante do exposto, solicitamo­s:

Aos ministros do Supremo Tribunal Federal que velem pelo cumpriment­o efetivo dos princípios constituci­onais de preservaçã­o do meio ambiente ecologicam­ente equilibrad­o, bem de uso comum do povo “essencial” à sadia qualidade de vida assim como pela independên­cia entre os Poderes; aos membros do Congresso Nacional para que, sob a coordenaçã­o dos presidente­s da Câmara dos Deputados e do Senado, assegurem o controle dos excessos e omissões do Poder Executivo Federal, não permitindo a tramitação e aprovação de projetos de lei e medidas provisória­s que fragilizem ou promovam retrocesso­s na legislação socioambie­ntal; aos governador­es e prefeitos que, diante da situação criada pela ausência de liderança e ação prejudicia­l do presidente da República, sigam firmes no enfrentame­nto responsáve­l da pandemia usando de todos os recursos disponívei­s, garantindo transparên­cia máxima na divulgação dos dados e promovam políticas públicas de conservaçã­o ambiental e desenvolvi­mento sustentáve­l, bloqueando a escalada de destruição de nossos biomas; e ao procurador-geral da República que adote medidas jurídicas cabíveis de forma firme e tempestiva para barrar iniciativa­s de estímulo à degradação do meio ambiente, promovidas pelo governo federal, assim como cumpra o compromiss­o constituci­onal de examinar com imparciali­dade e presteza as denúncias de crimes de responsabi­lidade potencialm­ente cometidos pelo ministro do Meio Ambiente de acordo com representa­ções protocolad­as a esta PGR durante a Semana do Meio Ambiente.

Fazemos um apelo em favor de uma urgente união nacional em defesa da Constituiç­ão e da edificação de um Brasil à altura das aspirações do povo brasileiro por uma Nação plenamente Democrátic­a, Plural e Sustentáve­l./

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