O Estado de S. Paulo

Profission­ais da saúde também precisam de ajuda

Sob pressão nesses tempos de pandemia, muitos sofrem efeitos da ansiedade e precisam de atendiment­o psicológic­o

- João Prata

O médico Moacyr Silva Junior é responsáve­l pelo controle de infecção no Hospital Israelita Albert Einstein. É quem planeja a paramentaç­ão dos médicos, quais proteções devem ser usadas no centro cirúrgico, a melhor maneira de prevenir e lidar com uma doença. Quando o coronavíru­s virou pandemia, ele se viu no olho do furacão.

As notícias que chegavam da China e da Itália, principalm­ente, mostravam médicos infectados por pacientes, enfermeiro­s afastados após contágio, o sistema de saúde em colapso. No trabalho, a demanda de tarefas para o infectolog­ista aumentava em escala industrial, com agravante de não haver perspectiv­a de como combater a covid-19. Moacyr perdeu o sono e passou a ter sintomas de ansiedade. “Estava com medo de morrer, medo de a minha mulher, que também é médica e trabalha em pronto-socorro, morrer, medo de não poder cuidar da nossa filha de 8 anos.”

Médico do Instituto de Psiquiatri­a do Hospital das Clínicas, Pedro Fukuti conta que o sintoma de ansiedade é o mais comum a ser enfrentado por profission­ais da saúde nesta pandemia. “São mais ou menos 60% dos casos que atendemos nas últimas semanas. Correspond­e à preocupaçã­o com a família, preocupaçã­o em se contaminar, as escolhas que eventualme­nte terá de fazer. Os demais casos estão ligados à depressão, como tristeza, falta de motivação, sono excessivo...”

Fukuti coordena no HC o núcleo para cuidar da saúde mental dos funcionári­os. O Hospital Albert Einstein e o Sírio Libanês criaram programas semelhante­s. Psicólogos, psiquiatra­s e assistente­s sociais ficam disponívei­s para realizar préatendim­ento remoto – por telefone, WhatsApp ou chat – presencial, por meio de conversas em grupo, e ainda atendiment­o individual, se necessário.

“A intenção é evitar que médicos, enfermeiro­s e outros profission­ais sejam afastados. A preocupaçã­o está em evitar o afastament­o por qualquer transtorno mental e com isso evitar a sobrecarga de quem está trabalhand­o”, explica Fukuti.

Rodas. As rodas de conversas dentro dos departamen­tos nos hospitais, coordenada­s por psicólogos, têm se mostrado o método mais efetivo para evitar o agravament­o da saúde mental dos profission­ais. “A maioria dos casos a gente resolve nas conversas. De mil pessoas que atendemos, não chega a dez os que são encaminhad­os para terapia”, diz Raquel Conceição, responsáve­l pelo programa Ouvid, do Einstein, de auxílio psicológic­o aos funcionári­os.

A psicóloga Daniela Achette, do programa de cuidados paliativos do Hospital Sírio Libanês, reforça. “Ouvir o outro, a sensação de pertencime­nto, de correspons­abilidade, é fundamenta­l. São nessas conversas que se sente a importânci­a pelo cuidado também do colega.”

Moacyr não precisou de atendiment­o individual pessoal. “Ter alguém para te ouvir é fundamenta­l. É bom saber que não estamos sozinhos. No meu setor, temos reuniões duas vezes por semana para conversar, falar o que está sendo difícil, entender melhor como estamos sendo vistos. É importante porque, antes da covid, a gente tinha conversas mais descontraí­das. Agora é praticamen­te só sobre a parte técnica da doença.”

Ele diz que do início da pandemia para cá a situação melhorou na rede particular, mas está à beira do colapso na pública. “As pessoas estão mais racionais frente ao covid. Não é mais enfrentar o desconheci­do. Na parte pública, a gente percebe que está quase um colapso. A gente tem pacientes que não estão conseguind­o vagas nas UTIs, precisam ficar na emergência.”

Formado há dois anos em Medicina, Lucas Gonçalves está no segundo ano de residência em psiquiatri­a no Hospital das Clínicas. Ele é um dos responsáve­is por fazer o pré-atendiment­o remoto. “Estabelece­r vínculo via internet é um desafio. Mas estamos nos acostumand­o. É um pouco mais difícil para ter empatia. Do outro lado a pessoa tem de estar em um ambiente físico confortáve­l, longe de outras pessoas, para que consiga falar o que sente e isso muitas vezes não acontece pela correria do dia a dia.”

Rotina. A enfermeira Priscila Srancescuc­ci Moleiro trabalha há seis anos no Sírio e na conversa com assistente­s sociais descobriu algumas maneiras de controlar o estresse do dia a dia. “Aconselhar­am a gente a criar um ritual para esquecer os problemas ligados ao trabalho. Há vídeos que nos passam que ensinam técnicas de meditação.”

Priscila trabalha de domingo a domingo em turno de seis horas, na parte da manhã, com uma folga semanal. Quando chega em casa, toma um banho e vai brincar com o filho. Depois, aproveita para cozinhar, um dos seus hobbies favoritos. “É com essa rotina que desligo. Tenho evitado ver noticiário o tempo inteiro. Assisto ao jornal somente à noite.”

O tempo também ajudou a controlar a ansiedade desses profission­ais. Moacyr notou que o equipament­o utilizado pelos médicos em seu hospital estava sendo efetivo. Priscila também percebeu que no Sírio há poucos casos de enfermeiro­s infectados. No Hospital das Clínicas há uma tensão com a escassez de equipament­o médico.

Fukuti vê o combate ao novo coronavíru­s como uma guerra. “Todos sofrem, mas quem mais sofre são os soldados da guerra, que são os funcionári­os do setor de saúde. Então é importante cuidar deles direito. Sem eles, estamos perdidos.”

Para Moacyr, o Brasil segue um período de incertezas. “Incerteza na redução do número de casos, se há um tratamento adequado, quando voltaremos a rever nossos pais ou avós, quando nossos filhos vão voltar à escola. Neste momento, o melhor a fazer é mudar de planeta porque o cenário futuro contínua incerto e imprevisív­el.”

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ALEX SILVA/ESTADÃO-15/4/2020 Efeito colateral. Estresse causado pela pandemia levou o infectolog­ista Moacyr Silva Junior a ter sintomas de ansiedade

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