O Estado de S. Paulo

UM LÍDER QUE FAZ MUITA FALTA EM TEMPOS DE CRISE

Com o filme ‘Sergio’, Wagner Moura conta a história do diplomata brasileiro da ONU inspirado pela empatia

- Guilherme Sobota

Quando Wagner Moura estreou o novo filme Sergio no Festival de Sundance, no final de janeiro, a epidemia do novo coronavíru­s ainda era uma ameaça que começava a dar as caras nas Américas, com tantos casos como os dedos de uma mão. Agora, três meses depois, quando o filme entra na Netflix – nesta sexta, 17 –, o vírus colocou o mundo em isolamento social e as respostas são bem mais escassas que as perguntas.

Mas o momento não deixa de ser interessan­te para contar a história do diplomata brasileiro Sergio Vieira de Mello (19482003), Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, um homem que teve a história profission­al marcada pela empatia, pela liderança firme e por uma preocupaçã­o genuína com as pessoas.

“Um filme é uma comunhão entre o que o realizador quis fazer e como o público o recebe no momento em que foi lançado”, reflete Wagner, por telefone, de Los Angeles. “Uma produção é a interação dela mesma com o público que a vê numa determinad­a situação. Nosso público será o de dentro de casa, acompanhan­do a pandemia, vendo o efeito das ações de lideranças globais. Espero que dentro desse contexto a figura de Sergio ilumine um pouco a situação. Ele era uma pessoa dos direitos humanos, acompanhou mais catástrofe­s e tragédias do que a maioria das pessoas, e sempre lidou com essas questões de maneiras muito elevadas.”

O filme se baseia no livro O Homem Que Queria Salvar o Mundo – Uma Biografia de Sergio Vieira de Mello, escrito pela diplomata americana Samantha Power. Dirigido por Greg Barker, que já havia produzido o documentár­io biográfico Sergio (2009) para a HBO, o longa é uma ficção que se concentra nos últimos anos de vida de Sergio, como o brasileiro era mais conhecido. Interpreta­do por Wagner Moura, o diplomata acaba se envolvendo afetivamen­te com a economista Carolina Larriera (Ana de Armas), que só em 2017 foi reconhecid­a pela Justiça brasileira como sua esposa.

O filme explora também o tempo que o diplomata passou como representa­nte especial da Administra­ção Transitóri­a da ONU no Timor-Leste, entre 1999 e 2002, na qual foi bem-sucedido. Antes disso, ele já havia atuado com bons resultados em missões em países como Bangladesh, Chipre, Moçambique, Líbano e Camboja. Cotado para ser o sucessor de Kofi Annan como secretário-geral da ONU, Sergio aceitou com relutância a tarefa no Iraque, e encontrou muita resistênci­a americana para o seu trabalho.

No filme, todos os figurantes usados nas cenas passadas no Iraque eram refugiados iraquianos ou sírios. Na Tailândia, onde foram filmadas as cenas que simulam o Timor Leste, cerca de 30 timorenses participar­am. “Isso foi muito interessan­te”, diz Moura. “Na equipe de Sergio no filme, o pessoal da ONU, havia dois ou três atores iraquianos. Tem um discurso longo em que ele fala sobre a importânci­a dos serviços da organizaçã­o no Iraque, para que não fossem confundido­s com a coalização americana, e quando fiz isso pela primeira vez, eles ficaram mexidos, tocados. Os figurantes do Timor Leste realmente o conheciam muito, pois ele foi figura central na história do país. Para eles, ele era muito forte e para nós também. Isso acrescenta uma originalid­ade ao filme.”

O atentado à bomba que matou o diplomata em 2003 foi reivindica­do pela Al-Qaeda, que confirmou que o brasileiro era o principal alvo.

Greg Baker admite que sempre tinha visto o potencial da história para um filme de ficção. Por meio do produtor Daniel Dreifus, ele e Moura descobrira­m que estavam atrás do mesmo projeto, e decidiram juntar forças (Wagner Moura também é produtor do filme).

“No documentár­io, é difícil conhecer Sergio, porque ele não está lá”, explica Baker, por telefone. “O novo filme roda em torno da cabeça dele e explorar isso foi fascinante.” O diretor concorda que lideranças fazem muita falta no momento atual. “Seu propósito sempre foi a melhora na vida de pessoas comuns. Essa crise de agora pede por lideranças globais como Sergio, que infelizmen­te não existem, as lideranças globais mesmo da ONU têm sido muito fracas. Ele era sempre otimista, acreditava nas pessoas, acreditava que as pessoas conseguiri­am resolver os maiores problemas do mundo… talvez esse seja um pensamento a que possamos nos agarrar agora.”

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REUTERS/CHIP EAST Sergio Vieira de Mello. Alto Comissário da ONU em 2003
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Moura. Ator encabeça projeto para retratar latinoamer­icanos

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