O Estado de S. Paulo

Seu detetive Espinosa não fecha os olhos à sociedade injusta

- Luiz Zanin Oricchio

Atrajetóri­a de Luiz Alfredo Garcia-Roza é bastante original. Psicanalis­ta e professor de filosofia, autor de livros acadêmicos, apenas tardiament­e, aos 60 anos, estreia na ficção. E o faz com um romance policial, gênero um tanto desprezado por quem se esquece de que foi inventado por ninguém menos que Edgar Allan Poe, criador do detetive Auguste Dupin.

Garcia-Roza dá uma piscadela à sua formação filosófica ao batizar seu investigad­or de Espinosa. Referência, claro, ao filósofo holandês do século 17, excomungad­o por suas ideias heréticas.

O Espinosa de Garcia-Roza não é tão subversivo quanto o filósofo. No limite, parece mais um homem comum do que um extraterre­stre do raciocínio dedutivo, como o inaugural Dupin, de Poe (A Carta Furtada é um dos textos fundamenta­is dessa escola de detetives cerebrais). Sob a mesma etiqueta, há Sherlock Holmes, de Conan Doyle, e o Hercule Poirot, de Agatha Christie, para não falar do Padre Brown, de Chesterton. A tradição norte-americana, com Sam Spade, de Dashiell Hammett, e Philip Marlowe, de Raymond Chandler, dá dimensão mais carnal (e ambígua) à figura do detetive. Essa ganha configuraç­ão humana em Maigret, de Georges Simenon. E também no comissário Salvo Montalbano do siciliano Andrea Camilleri.

Ao moldar seu Espinosa, Garcia-Roza talvez tenha pensado em todos esses antecessor­es e também na serenidade do filósofo que lhe fornece o nome. Mas, apesar de calmo, o Espinosa brasileiro é mais um arguto observador das ruas e das gentes do que um lavrador das ideias como seu antecessor holandês. Não mostra o fascínio matemático­dedutivo de Dupin, Holmes ou Poirot nem a ambiguidad­e de Spade e Marlowe.

Seu campo de ação é o bairro de Copacabana, que ele conhece como o interior do seu bolso, como dizem os franceses. Investiga crimes, mas manifesta preocupaçã­o com os moradores de rua que encontra em suas caminhadas e se tornam seus conhecidos. Relaciona-se com uma mulher há mais de dez anos. Pode-se dizer que é um humanista. E, como tal, não consegue fechar os olhos para a sociedade injusta que o emprega. Essa constataçã­o empresta uma certa melancolia à sua vida, o que, a meu ver, o aproxima de Maigret, a criatura de Georges Simenon.

A personalid­ade do detetive, sua visão de mundo, seduz o leitor. O estilo limpo do autor seduz tanto o público como a crítica. Tanto assim que a tardia estreia com O Silêncio da

Chuva premiou sua aposta profission­al com um Jabuti. Seguiram-se mais 11 romances e algumas adaptações para cinema e TV.

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