O Estado de S. Paulo

Testes, testes, testes. Dúvidas, dúvidas, dúvidas

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Oque mais importa agora é saber o que muda na política de contra-ataque à pandemia. Na sua primeira declaração, o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, disse três coisas: que não haverá nenhuma guinada brusca na sua política em relação à praticada pelo ex-ministro Mandetta; que é preciso flexibiliz­ar o isolamento, para abrir espaço para a retomada do emprego e da atividade econômica; e que as novas decisões em matéria de políticas públicas terão de se basear numa ampla pesquisa de como se comporta a doença.

Vamos começar pelo terceiro ponto. A indicação de fazer testes em massa para a partir daí tomar decisões racionais ou “científica­s”, como disse Teich, já havia sido uma das principais recomendaç­ões da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS). Não foi colocada em prática porque não estavam disponívei­s esses testes. Mas continua a não haver testes e não se sabe como poderia funcionar um programa desses de testes em massa. A população brasileira supera os 210 milhões de habitantes. Se, muito antes da pandemia, o País não teve recursos nem condições mínimas para levar adiante as pesquisas do Censo 2020, muito menos terá recursos e condições para enfrentar uma ampla campanha de testes.

Quem vai produzir ou de onde virão os kits de testes, quem vai aplicar esses testes, se quase não houve pessoal para aplicar as vacinas contra gripe convencion­al? Quem vai processar esses testes? E quanto tempo levará o governo para começar a ter essa base de testes para começar a tomar decisões importante­s, num cenário em que o coronavíru­s já mata em média 200 pessoas por dia no Brasil?

Outra dúvida tem a ver com a flexibiliz­ação do isolamento. Se o ministro se compromete a não produzir nenhuma virada drástica enquanto não souber como se comporta o vírus no Brasil e como ele infecta a população, então fica difícil entender a que ritmo e sob que condições acontecerá essa flexibiliz­ação. As informaçõe­s disponívei­s a partir das experiênci­as do exterior, especialme­nte de países da Ásia e da Europa, são de que uma flexibiliz­ação prematura pode produzir novos desastres. São muitos os infectados que não mostram sintomas da doença e que, no entanto, a transmitem para outros. A volta desses infectados assintomát­icos ao chão de fábrica, ao chão da loja ou ao chão do restaurant­e pode produzir o alastramen­to ainda mais rápido da pandemia e voltar a obrigar ao fechamento de indústrias, do comércio e do setor de serviços.

Além disso, há quase certeza de que essa pandemia pode repetir o que aconteceu na gripe espanhola, que foi embora, mas acabou voltando para as mesmas cidades de onde aparentou ter desapareci­do.

A troca de ministros teve por objetivo dissolver as enormes divergênci­as dentro do governo sobre como tratar o problema. O novo ministro está ecoando o discurso do presidente Bolsonaro. Mas essa nova unidade pode ser apenas aparente. As condições objetivas, tais como são agora conhecidas, não deixam claro como a nova orientação funcionará. Se nada mudará rapidament­e e se é preciso esperar por novos conhecimen­tos técnicos para só então determinar as novas políticas públicas, então as divergênci­as deverão continuar.

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JOÉDSON ALVES /EFE Teich. Sem virada brusca
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