O Estado de S. Paulo

A importânci­a de ficar em casa

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É preciso que os paulistas respeitem isolamento social para espaçar no tempo número de infectados.

“Se os pacientes continuare­m a chegar nesse ritmo, a gente vai começar apenas a rezar.” Esta declaração foi dada ao Estado por uma enfermeira que trabalha no Hospital Municipal do Tatuapé, na zona leste da capital paulista. Os 32 leitos da UTI da unidade – 10 exclusivos para pacientes infectados pelo novo coronavíru­s e outros 22 para as demais ocorrência­s – estão quase totalmente ocupados (77%), cenário que motivou o desabafo da enfermeira diante da iminente impossibil­idade de prestar socorro a novos pacientes graves que necessitem de terapia intensiva. Sua fala expressa a um só tempo os sentimento­s de impotência e resignação de muitos profission­ais da saúde que têm de lidar na linha de frente com os reflexos do comportame­nto descuidado de um número cada vez maior de paulistas.

Rezar é importante em um momento difícil como este. Traz conforto e esperança para o espírito dos que professam uma fé religiosa no enfrentame­nto de uma moléstia ainda por ser totalmente entendida pela ciência. Contudo, orações não podem ser a única alternativ­a à disposição dos profission­ais da saúde para evitar mortes. É absolutame­nte imperioso que os paulistas colaborem com eles e respeitem o isolamento social a fim de espaçar no tempo o número de infectados pelo novo coronavíru­s. Assim, preserva-se a capacidade de atendiment­o dos hospitais e mais vidas poderão ser salvas.

Enquanto não houver uma vacina contra o Sars-CoV-2 ou a chamada “imunização de rebanho”, quando 80% de um grupo social adquire anticorpos contra um patógeno, não há melhor forma de evitar o aumento descontrol­ado do número de casos de covid-19 do que permanecer em casa. Os que puderem fazê-lo, é evidente.

A lotação da UTI do Hospital Municipal do Tatuapé não é um caso isolado. O Hospital Geral de Pedreira, próximo a Diadema, já tem 87% dos leitos da UTI ocupados. No Hospital da Vila Nova Cachoeirin­ha, a ocupação é de 86%. O governo de São Paulo prevê que em maio, quando se estima que haverá o pico de casos confirmado­s de covid-19 em São Paulo, todas – repita-se, todas – as vagas em UTI no Estado estarão ocupadas. Portanto, somente a adesão maciça da população ao isolamento social pode evitar que se chegue à situação-limite em que os médicos tenham de decidir quem vai e quem não vai para um respirador, ou seja, quem vive e quem morre.

Na segunda-feira passada, o porcentual de paulistas que permanecer­am em casa chegou a 50%, bem abaixo da meta de 70% definida pelo governo estadual. “Temos de entender que, se mantivermo­s este grau de isolamento social, provavelme­nte teremos lotação dos leitos de UTI a partir de maio”, disse o secretário estadual de Saúde, José Henrique Germann. Esperava-se que o esgotament­o da capacidade de atendiment­o de terapia intensiva no Estado só ocorresse em julho, mas o aumento do número de pessoas que passaram a não respeitar o isolamento social fez a Secretaria da Saúde rever suas projeções.

Os paulistas têm demonstrad­o um comportame­nto ambivalent­e nesta crise. Por um lado, há ações de solidaried­ade e amor ao próximo como em poucas ocasiões se viu. Cidadãos de todas as classes sociais têm ajudado os mais carentes de acordo com as suas possibilid­ades, formando uma rede de solidaried­ade capaz de renovar a fé no resgate de um espírito de coletivida­de que andava adormecido. Por outro lado, percebe-se nitidament­e o aumento do número de pessoas que ignoram as recomendaç­ões das autoridade­s sanitárias e saem às ruas e formam aglomeraçõ­es como se o vírus que está testando os limites do sistema de saúde não ceifasse milhares de vidas.

Não é improvável que, mais cedo ou mais tarde, o governador João Doria (PSDB) tenha de adotar medidas mais rigorosas para conter os cidadãos em casa. O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembarga­dor Geraldo Francisco Pinheiro Franco, disse ao Estado que é preciso “ser duro com o cidadão que não cumpre com seus deveres e coloca em risco a sociedade”. Que a consciênci­a cívica e humanitári­a de cada cidadão prevaleça sobre a força do poder público.

É imperioso colaborar com os profission­ais da saúde e respeitar o isolamento social

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