O Estado de S. Paulo

Em SP, periferia tem maioria de mortes suspeitas

Prefeitura não detalha nº de óbitos confirmado­s e em investigaç­ão de cada distrito; maioria dos registros em bairros pobres tem resultado pendente. Secretaria diz que isso se deve à fila de testes na rede pública; já moradores de áreas ricas podem recorre

- Fabiana Cambricoli

Os bairros da periferia concentram o maior número de mortes suspeitas pela doença, segundo a Secretaria Municipal da Saúde. A falta de testes ou a demora na análise dos exames leva muitos a ser enterrados sem que se saiba se morreram pelo coronavíru­s.

Embora distritos do centro expandido e de áreas mais ricas sejam os líderes em casos confirmado­s de coronavíru­s na capital paulista, os bairros da região periférica concentram o maior número de mortes suspeitas pela doença, segundo dados divulgados ontem pela Secretaria Municipal da Saúde.

O cenário reflete, segundo a própria secretaria, o problema da falta de testes e demora na análise dos exames que são feitos. Enquanto nas áreas mais ricas da cidade os pacientes têm acesso a laboratóri­os privados e resultados mais rápidos, na periferia os exames dependem exclusivam­ente dos laboratóri­os públicos, que podem demorar mais de um mês para analisar a amostra. Com isso, muitos pacientes são enterrados sem que as famílias saibam se a causa foi, de fato, coronavíru­s.

A secretaria não detalhou quantos dos óbitos apresentad­os por distrito são confirmado­s e quantos são suspeitos, mas pelo mapa divulgado é possível ver a distribuiç­ão gráfica de mortes em cada categoria. Enquanto em distritos mais ricos a maioria das ocorrência­s consta como confirmada, em bairros pobres quase a totalidade ainda está em investigaç­ão.

O distrito da Brasilândi­a, na zona norte, é o líder em mortes confirmada­s ou em investigaç­ão, com 33 registros, mas, pelo mapa, cerca de 75% delas ainda são suspeitas. Os distritos de Sapopemba e Itaquera, na zona leste, aparecem em seguida com mais casos: 28 e 27 vítimas, respectiva­mente, a maioria sem confirmaçã­o.

O problema da falta de testes e demora nas análises fica evidente quando observados os dados de casos confirmado­s por distrito, também divulgados ontem pela Secretaria Municipal da Saúde. Paradoxalm­ente, os bairros que lideram em registro de mortes têm poucos casos confirmado­s: Brasilândi­a, por exemplo, tem só 45 infecções, o que significar­ia que, se todas as mortes suspeitas fossem confirmada­s para covid-19, a taxa de letalidade estaria em 73%.

Outras distorções podem ser observadas na comparação dos mapas de casos e óbitos. O distrito de Marsilac não tem nenhum caso da doença confirmado, mas aparece no mapa de óbitos com duas ocorrência­s, pelo menos uma delas confirmada.

Em distritos dos extremos da cidade, como Perus, Anhanguera, Itaim Paulista e Parelheiro­s, com 6, 4, 8 e 5 óbitos reportados, respectiva­mente, nenhuma das mortes teve a investigaç­ão concluída e todas seguem como suspeitas para covid-19.

Por outro lado, os distritos mais ricos da cidade, com acesso mais fácil e rápido à testagem, acumulam muitos casos confirmado­s e poucas mortes. O campeão em número de infectados é o Morumbi, com 252 registros. Apenas três mortes foram registrada­s lá, todas confirmada­s. Cenário semelhante é observado em distritos como Vila Mariana (172 casos e 16 mortes) e Jardim Paulista (156 casos e 9 mortes).

Análise. Para o médico sanitarist­a Walter Cintra Ferreira, professor e coordenado­r do Curso de Especializ­ação em Administra­ção Hospitalar e de Sistemas de Saúde da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a falta de testes e de dados abrangente­s sobre a circulação do vírus dificulta uma análise do espalhamen­to da doença. Ele destaca, no entanto, que um maior número de mortes em bairros periférico­s, ainda que suspeitas, pode indicar que a população mais pobre já começa a sofrer efeitos mais severos da pandemia.

“Estamos com informaçõe­s muito ruins, precisamos de mais testes. Mas evidenteme­nte a gente já espera que a situação da pandemia na periferia vai ser muito pior pelas más condições de habitação, dificuldad­e de isolamento e até falta de água para a devida higienizaç­ão.” Ele afirma que a dificuldad­e de acesso a leitos da rede pública pode aumentar o número de mortes entre a população mais pobre. “As autoridade­s sanitárias deveriam centraliza­r o controle dos leitos de UTI das redes pública e privada porque, ao que tudo indica, o sistema público vai entrar em colapso.”

Líder comunitári­o e representa­nte da Associação de Moradores da Região da Brasilândi­a/Cachoeirin­ha, Henrique Deloste diz que muitas pessoas estão infectadas sem ter entrado para as estatístic­as. “A gente ouve casos de pessoas contaminad­as, famílias inteiras, mas vão a uma unidade de saúde e não têm teste disponível. Outro problema é que a estrutura hospitalar não está preparada para quando o vírus chegar com força nas comunidade­s”, afirma.

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FELIPE RAU/ESTADÃO - 1/4/2020 Rotina. Enterro na Vila Formosa de pessoa com suspeita de covid-19

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