O Estado de S. Paulo

DURA REALIDADE EXIBIDA NA TELA

Quarta temporada de ‘Rotas do Ódio’ tem a intolerânc­ia como tema

- Eliana Silva de Souza

A quarta temporada da série

Rotas do Ódio chegou ao canal Universal e pode ser vista também na plataforma de streaming da emissora. Produção revela o cotidiano da Delegacia de Repressão aos Crimes Raciais e Delitos de Intolerânc­ia. e é protagoniz­ada por Mayana Neiva, como a delegada Carolina Ramalho, que combaterá a discrimina­ção a imigrantes e refugiados na temporada.

Em entrevista ao Estado, a atriz fala de sua personagem, da importânci­a do tema levantado pela série e também revela como está levando essa fase de distanciam­ento social.

• Como é fazer uma personagem tão forte? É estressant­e?

A voz de comando dessa mulher para mim é uma voz muito ampla, porque é uma voz de escuta, de sabedoria, de conexão. Ela se compadece das narrativas ao seu redor. Claro que tem um comando, ela é policial e nesta quarta temporada tem bastante ação, mas também tem muita escuta do outro. Para mim é muito incrível conjugar no trabalho de atriz tanto esse thriller psicológic­o quanto esse lugar de ação e humano, de escuta em um tempo de tanta intolerânc­ia.

• O que destaca na série?

A série para mim tem vários pontos de destaque. Um: é produzido e dirigido por mulheres, com uma mulher protagonis­ta, com muitas mulheres na equipe. Isso para mim já é uma coisa superlegal. Dois: é uma série que a nossa primeira temporada começa com a morte de uma mulher negra na periferia, por um crime de ódio, que estreou na semana da morte da Marielle Franco e diz muito da nossa realidade. Quando a gente gravou um ano antes não sabíamos o quão real aquilo iria ser na hora que estreou e, para mim, a cada dia que passa ela fica mais atual. Estranhame­nte atual. Existe aí sim uma polarizaçã­o, intolerânc­ia, um excesso de discussões da nossa realidade que pautam esse lugar de intolerânc­ia de uma maneira muito forte e a série discute isso, o que acho superrelev­ante. Tem o final da primeira temporada que a morte do Jimmy, que é um menino, que discute isso de uma maneira bem humana, esse desejo de querer pertencer a uma sociedade que te leva uma gangue de ódio, que te leva a julgar o outro, que te leva a agir de uma maneira que você jamais agiria, mas você é pego fazendo coisas que não gostaria de fazer, então discute isso. Já nas temporadas seguintes, na terceira e na quarta, tem alguns pontos bem fortes que para mim são essa discussão elevada ao mundo. Começamos a trazer os crimes de ódio e intolerânc­ia para os imigrantes, dentro dessa discussão do trabalho escravo.

• Quais cenas foram mais difíceis de filmar?

Esta temporada gravamos bastante em Heliópolis, o que foi bem desafiador. Tínhamos um esquema de segurança superespec­ial, mas é difícil gravar no lugar onde as pessoas estão vivendo, onde está tudo vivo. Então foi bem desafiador. A Susanna Lira, que é a autora, diretora e criadora do projeto, é uma mulher que agregou muitos sentidos reais, de vivências reais a essa delegada, que tem uma série de conexões com a vida real, das delegadas que inspiraram. Então, tem coisas boas.

• Rotas do Ódio traz temas relevantes,

mas pesados. Qual a importante de levantar essas discussões sociais em uma série?

Sim, a série discute temas que não são fáceis de digerir, um tanto pela nossa cegueira, vivemos muito presos ao nosso umbigo e é superimpor­tante ampliar a discussão, a visão de como as pessoas andam e vivem nesse mundo. A própria compaixão nasce desse olhar para o outro, que é um exercício que muitas vezes na minha vida fiz através dos livros, das séries e dos filmes que vi. Os meus personagen­s me deram vidas, que eu como Mayana não vivi e me ensinaram sobre coisas, pessoas, lugares e lutas que cada um enfrenta para viver um dia, que eu não tinha como saber no conforto da minha vida. Sair às vezes do seu conforto tem um peso, um deslocamen­to, mas ajuda a entender a realidade como um todo e ajuda, como eu falei, a entender a micropolít­ica das relações, como uma pequena ação como comprar uma roupa num lugar mais barato, você está sustentand­o toda uma linha de trabalho escravo de pessoas que têm uma série de limitações aí nesse campo, que nós, por sermos muito autocentra­dos, não percebemos. Vivemos em um país de muitas desigualda­des e a discussão social é absolutame­nte relevante para esse tempo principalm­ente, em que a empatia é o maior código, em que precisamos de fato pensar no coletivo, entender como o coletivo está vivendo e se movimentar a partir disso. Acho que a série é uma plataforma de discussão interessan­te desses temas, por mais que às vezes eles pareçam pesados, temos de pensar sobre isso, sobre acolhiment­o, sobre diferença e intolerânc­ia, e temos de pensar sobre empatia coletiva nesse momento. Então, para mim, é um tema fundamenta­l.

• Como está passando por essa fase de coronavíru­s?

Coronavíru­s apresentou uma questão muito complexa para nossa realidade, tem muitos lados. Claro que eu estou tentando me cuidar, estou saudável graças a Deus. Estou bem, me exercitand­o e aumentando a minha imunidade, fazendo bastante chás, comendo saladas, me alimentand­o bem, mas acho que esse vírus ensina para nós que quanto mais rápido aprendermo­s as lições, mais rápido essa realidade se transforma. Com certeza é uma realidade desafiador­a, principalm­ente para as pessoas mais pobres, menos assistidas, que precisam andar de transporte público, que ficam o tempo inteiro em contato com multidões. Precisamos fazer um trabalho de esclarecim­ento grande e de acolhiment­o à população que tem mais necessidad­e, aos trabalhado­res autônomos. Precisamos de um Estado muito presente nesse momento. Precisamos cobrar políticas públicas de acolhiment­o e de alcance, mas ao mesmo tempo é importante manter uma frequência alta, manter uma energia de amor e de acolhiment­o para os mais próximos, pensar no outro. Eu estou superbem, com a minha imunidade alta, mas estou em contato com a minha mãe, o porteiro, com pessoas mais velhas ou pessoas que estão em outras realidades. Temos de nos proteger e proteger todos ao nosso redor.

• Neste momento, o que tem feito para ocupar seu tempo?

Gosto muito de uma série inglesa que chama Broadchurc­h, policial também, e Fleabag. Tenho visto também meus professore­s de meditação, coisas que me inspiram.

TEMOS QUE NOS PROTEGER E PROTEGER TODOS AO NOSSO REDOR

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Mayana Neiva, atriz

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