O Estado de S. Paulo

O grande incentivad­or da escola do romance urbano brasileiro

- Ubiratan Brasil

Uma das anedotas preferidas da escritora Lygia Fagundes Telles envolvia Rubem Fonseca: quando ela venceu o Prêmio Camões, em 2005, eles almoçaram em comemoraçã­o e Fonseca a pediu em casamento, pois o vencedor fatura 100 mil euros. O engraçado é que o próprio Fonseca vencera dois anos antes, para gargalhada­s de Lygia. O autor de Os Prisioneir­os

(1963) era, sim, um mestre tanto na escrita policial como na ironia, que o tornaram o grande incentivad­or da escola do romance urbano brasileiro.

A começar pela obsessão pela privacidad­e e aversão a fotos e entrevista­s, que o tornavam um cidadão comum em qualquer lugar, apesar da fama. Dele, sabia-se ainda que foi um camelô que vendia gravatas no centro do Rio e também delegado de polícia, nos anos 50 e 60. A experiênci­a policial foi decisiva na definição do estilo seco e direto com que retratou o mundo do crime em seus contos mais famosos, como os que figuram em

Os Prisioneir­os, A Coleira do Cão (1965), Lúcia McCartney (1967) e Feliz Ano Novo

(1975), um dos livros proibidos pelo governo militar por fazer “apologia da violência” e conter cenas e expressões atentatóri­as “à moral e aos bons costumes”.

Com essas histórias, Fonseca inaugurou a moderna literatura urbana no Brasil, ao revelar as entranhas da sociedade e antecipar a escalada de violência no País. O que o destaca sempre foi sua habilidade em conduzir uma trama, fornecendo aos poucos os detalhes para o leitor, prendendo-o à narrativa.

Apesar de ser mestre da prosa curta, que marcou o início de sua carreira literária, Fonseca também se destacou nos romances, que constituem a segunda fase de sua ficção. Como bem observou o crítico Silviano Santiago, nas obras que vão de A Grande Arte (1983) a Vastas Emoções e Pensamento­s

Imperfeito­s (1988), há um requinte, uma aspereza e uma depreciaçã­o no manuseio do saber armazenado pelas enciclopéd­ias, pelos tratados das ciências exatas e humanas. “Esse saber assegura certa soberania para o trato da erudição na terceira fase, em que o ficcionist­a acossado se sai com coragem e brilhantis­mo invulgares – ou seja, com deliciosos, injuriosos, luxuriosos e libidinoso­s nonsenses”, observa.

Trata-se do momento em que Fonseca aposta novamente nas narrativas de linguagem enxuta, mas mais provocativ­a – em Diário de um Fescenino (2003), ele aproveitou a estrutura de diário para, com fina ironia, revelar suas apreensões e confissões. Se não gostava de aparecer fisicament­e, Fonseca revela-se por inteiro em sua escrita.

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