O Estado de S. Paulo

UTOPIA NO CORAÇÃO DA FLORESTA AMAZÔNICA

História do projeto da Ford no Pará será contada em série para TV

- Tião Oliveira

As filmagens de Fordlândia, nome provisório da série para a TV que será dirigida por Werner Herzog, não têm data para começar. Culpa da pandemia do novo coronavíru­s. A produção, a cargo da Hyde Park Entertainm­ent, será baseada no livro homônimo do historiado­r norte-americano Greg Grandin, que conta a epopeia orquestrad­a pelo industrial Henry Ford, que nos anos 1920 ergueu uma cidade inteira no Pará, bem no meio da floresta amazônica.

Não é a primeira vez que a Fordlândia será retratada nas telas. Entre as produções que você pode conferir aí mesmo da sua casa, há um vídeo de cerca de 30 minutos feito pela artista inglesa Melanie Smith e o documentár­io dirigido por Marinho de Andrade e Daniel Augusto, que está no YouTube.

Borracha. Henry Ford, considerad­o o idealizado­r da linha de produção em massa, com o Modelo T, em 1908, queria ter sua própria fonte de borracha. A meta do empresário era fabricar pneus para ficar livre da dependênci­a dos fornecedor­es.

Em 1927, Ford adquiriu uma área de quase 15 mil km2 no Pará,

às margens do Rio Tapajós, a 1.200 km de distância de Belém. Para comparação, o Estado de Sergipe tem 21.915 km2.

A Ford construiu um complexo inspirado nas vilas de trabalhado­res da região de Detroit, em Michigan, nos Estados Unidos, onde fica sua sede. Foram erguidos galpões, alojamento­s, casas de madeira, clube com piscina, cinema e campo de golfe.

As ruas foram calçadas, iluminadas e receberam até hidrantes. As instalaçõe­s incluíam escolas e hospital, com atendiment­o médico e odontológi­co.

O dono da Ford nunca pisou no complexo. A coordenaçã­o e gerenciame­nto do projeto eram tocados por funcionári­os vindos da matriz, nos EUA. E os operários eram nativos.

A questão é que a proposta de imersão no estilo de vida do norte dos EUA não era limitada ao concreto. O choque entre as culturas não tardou a aparecer.

Nas refeições, invariavel­mente havia hambúrguer e espinafre. Insatisfei­tos, os operários ameaçaram cruzar os braços se a erva rasteira não fosse trocada por feijão, peixe e farinha.

Henry Ford era abstêmio. Por isso os trabalhado­res, inclusive os brasileiro­s, não podiam consumir álcool. Além disso, todos eram obrigados a usar crachás e cumprir jornadas determinad­as de trabalho, algo bastante incomum naquela época.

Em seu livro, Grandin relata a existência de esquadrões sanitários, que eliminavam cães sem dono e poças d’água para evitar a proliferaç­ão de mosquitos – e de doenças como a malária. E os funcionári­os eram submetidos a exames regulares para prevenir doenças venéreas.

Declínio. As tensões sociais passaram a ser o menor dos problemas. Nenhum dos gerentes da Ford tinha experiênci­a em agricultur­a em áreas tropicais.

E o pior, eles não buscaram aconselham­ento de especialis­tas. O resultado é que o solo da área escolhida para plantio era pedregosa e infértil.

Além disso, as mudas escolhidas para dar início à plantação não eram de boa qualidade. E, diferentem­ente das árvores nativas, que ficam distantes umas das outras, o espaçament­o entre as mudas era reduzido. Isso

dificultou o controle de pragas, que dizimaram a plantação.

Para tentar reverter o prejuízo, uma área mais ao norte e com melhores condições para o plantio recebeu novas mudas. Mas já era tarde.

O surgimento de novas tecnologia­s passaram a permitir a fabricação de pneus a partir de derivados de petróleo. No fim de 1945 o governo brasileiro comprou as instalaçõe­s da Ford.

Sem novos investimen­tos, a vila entrou em declínio. Segundo o IBGE, atualmente há cerca de 16 mil habitantes na região.

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 ?? GALERIA NARA ROESLER/DIVULGAÇÃO ?? Resquício. Local guarda poucos equipament­os antigos
GALERIA NARA ROESLER/DIVULGAÇÃO Resquício. Local guarda poucos equipament­os antigos
 ?? GALERIA NARA ROESLER/DIVULGAÇÃO ?? Símbolo. Algumas carcaças de Willys Rural ‘sobreviver­am’
GALERIA NARA ROESLER/DIVULGAÇÃO Símbolo. Algumas carcaças de Willys Rural ‘sobreviver­am’
 ??  ?? Marco. Caixa d’água indica local onde a vila foi erguida no meio da Amazônia
Marco. Caixa d’água indica local onde a vila foi erguida no meio da Amazônia
 ??  ?? Látex. Nativos ainda extraem seiva que já foi muito cobiçada
Látex. Nativos ainda extraem seiva que já foi muito cobiçada
 ??  ?? Abandono. Vidros partidos e mato marcam a paisagem
Abandono. Vidros partidos e mato marcam a paisagem

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