Os banqueiros e os chás
Até meados do século passado, a regulação dos bancos era quase nenhuma. Ainda assim, muitos perduraram gerações. Nesse mundo sem computação e com registros manuais, a gestão era orientada pela boa prática bancária, um conjunto de princípios que ainda têm valor. Um deles é um faz e outro confere, conhecido como a primeira lei do bancário.
Há outros: não coloque todos os ovos na mesma cesta; vá de encontro à encrenca, não espere por ela; preço médio mata; não ponha dinheiro bom para salvar dinheiro ruim; e o que inspirou o título deste artigo. Diz: bons banqueiros são como bons chás, só podem ser apreciados com água quente. Em momentos de grandes dificuldades, conseguem agir, em vez de apenas reagir. Atuam com a percepção da transformação do cenário. Isso vale, também, para governantes e empresários. Getúlio Vargas, na crise de 1929, é um exemplo. Naquele ano, o Brasil ficou mais pobre, com a queda do valor de suas exportações. A estratégia de queimar estoques de café, reformar e investir se mostrou vencedora. A recessão aqui foi superada com mais velocidade do que na quase totalidade dos países.
Agora, o Brasil empobreceu bruscamente por causa do coronavírus e seus desdobramentos. É uma crise complexa, com desafios inéditos – mais desemprego, menos crescimento e mais incertezas, num momento em que os balanços do setor não financeiro já estão fragilizados com recordes históricos de atrasos de pagamentos. Novos recordes serão alcançados em breve com a destruição de mais postos de trabalho ainda.
É um cenário em que, individualmente, cada emprestador atua para reduzir a oferta de crédito, encurtar prazos, exigir mais garantias e subir as taxas. Com isso, agravam, em vez de amenizar, os problemas. A prescrição, neste caso, é atuar coletivamente. É a razão de ser de um governo numa crise.
O diagnóstico implícito na atuação do Banco Central do Brasil é de que a crise é predominantemente um problema de estoque de recursos, do caixa dos bancos. Foram anunciadas medidas com potencial para aumentar a liquidez e o capital do sistema e a possibilidade de comprar carteiras. São terapias inócuas. O problema não é de estoque, mas sim de fluxo. A questão é fazer que os bancos injetem mais recursos na economia.
Até agora, três medidas foram tomadas para o fluxo de crédito. Uma para emprestar menos: o aumento do Imposto de Renda (IR) dos bancos; e duas para emprestar mais: a isenção do IOF por 90 dias e o anúncio de R$ 40 bilhões de empréstimos para garantir a folha de pagamento. O montante representa 1% do total de crédito do sistema e aumentará a dívida pública. É muito pouco e agrava ainda mais a dinâmica fiscal.
Deve-se atuar no fluxo. É possível melhorar os balanços dos governos, dos bancos e do setor não financeiro com três conjuntos de medidas: 1) eliminar juros e multas de todas as dívidas fiscais. Os governos teriam uma carteira de renegociações mais baixa, mas com expectativas de recebimento maiores, e injetariam capacidade de pagamento nas empresas e nos cidadãos com mais dificuldades.
2) Um parcelamento de todas as dívidas com o setor financeiro, a uma taxa fixa (26,8% anuais) em 36 meses. Isso manteria o valor das carteiras dos bancos com taxas mais baixas e com inadimplência esperada menor. É provável que com um valor presente maior. Isso reduziria o peso da dívida e melhoraria o balanço do setor não financeiro.
3) Uma redução no custo de emprestar para os bancos. Acabar com a moeda remunerada, os compulsórios, os limites de provisões no IR e a incidência do PIS-Cofins nos juros, e permitir deduções fiscais de perdas de crédito com o dobro do valor. Há mais a ser feito, mas essas três medidas, se adotadas, podem aumentar o fluxo de crédito, sem custo fiscal, e fazer com que os bancos sejam parte das soluções.
Concluo com mais um princípio bancário: há riscos que um banqueiro não pode deixar de correr e outros que não pode assumir. É isso.