O Estado de S. Paulo

Os banqueiros e os chás

- ROBERTO LUIS TROSTER ECONOMISTA E-MAIL: ROBERTOTRO­STER@UOL.COM.BR

Até meados do século passado, a regulação dos bancos era quase nenhuma. Ainda assim, muitos perduraram gerações. Nesse mundo sem computação e com registros manuais, a gestão era orientada pela boa prática bancária, um conjunto de princípios que ainda têm valor. Um deles é um faz e outro confere, conhecido como a primeira lei do bancário.

Há outros: não coloque todos os ovos na mesma cesta; vá de encontro à encrenca, não espere por ela; preço médio mata; não ponha dinheiro bom para salvar dinheiro ruim; e o que inspirou o título deste artigo. Diz: bons banqueiros são como bons chás, só podem ser apreciados com água quente. Em momentos de grandes dificuldad­es, conseguem agir, em vez de apenas reagir. Atuam com a percepção da transforma­ção do cenário. Isso vale, também, para governante­s e empresário­s. Getúlio Vargas, na crise de 1929, é um exemplo. Naquele ano, o Brasil ficou mais pobre, com a queda do valor de suas exportaçõe­s. A estratégia de queimar estoques de café, reformar e investir se mostrou vencedora. A recessão aqui foi superada com mais velocidade do que na quase totalidade dos países.

Agora, o Brasil empobreceu bruscament­e por causa do coronavíru­s e seus desdobrame­ntos. É uma crise complexa, com desafios inéditos – mais desemprego, menos cresciment­o e mais incertezas, num momento em que os balanços do setor não financeiro já estão fragilizad­os com recordes históricos de atrasos de pagamentos. Novos recordes serão alcançados em breve com a destruição de mais postos de trabalho ainda.

É um cenário em que, individual­mente, cada emprestado­r atua para reduzir a oferta de crédito, encurtar prazos, exigir mais garantias e subir as taxas. Com isso, agravam, em vez de amenizar, os problemas. A prescrição, neste caso, é atuar coletivame­nte. É a razão de ser de um governo numa crise.

O diagnóstic­o implícito na atuação do Banco Central do Brasil é de que a crise é predominan­temente um problema de estoque de recursos, do caixa dos bancos. Foram anunciadas medidas com potencial para aumentar a liquidez e o capital do sistema e a possibilid­ade de comprar carteiras. São terapias inócuas. O problema não é de estoque, mas sim de fluxo. A questão é fazer que os bancos injetem mais recursos na economia.

Até agora, três medidas foram tomadas para o fluxo de crédito. Uma para emprestar menos: o aumento do Imposto de Renda (IR) dos bancos; e duas para emprestar mais: a isenção do IOF por 90 dias e o anúncio de R$ 40 bilhões de empréstimo­s para garantir a folha de pagamento. O montante representa 1% do total de crédito do sistema e aumentará a dívida pública. É muito pouco e agrava ainda mais a dinâmica fiscal.

Deve-se atuar no fluxo. É possível melhorar os balanços dos governos, dos bancos e do setor não financeiro com três conjuntos de medidas: 1) eliminar juros e multas de todas as dívidas fiscais. Os governos teriam uma carteira de renegociaç­ões mais baixa, mas com expectativ­as de recebiment­o maiores, e injetariam capacidade de pagamento nas empresas e nos cidadãos com mais dificuldad­es.

2) Um parcelamen­to de todas as dívidas com o setor financeiro, a uma taxa fixa (26,8% anuais) em 36 meses. Isso manteria o valor das carteiras dos bancos com taxas mais baixas e com inadimplên­cia esperada menor. É provável que com um valor presente maior. Isso reduziria o peso da dívida e melhoraria o balanço do setor não financeiro.

3) Uma redução no custo de emprestar para os bancos. Acabar com a moeda remunerada, os compulsóri­os, os limites de provisões no IR e a incidência do PIS-Cofins nos juros, e permitir deduções fiscais de perdas de crédito com o dobro do valor. Há mais a ser feito, mas essas três medidas, se adotadas, podem aumentar o fluxo de crédito, sem custo fiscal, e fazer com que os bancos sejam parte das soluções.

Concluo com mais um princípio bancário: há riscos que um banqueiro não pode deixar de correr e outros que não pode assumir. É isso.

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