O Estado de S. Paulo

Pesquisa inédita vai mapear nível de infecção em bairros de SP.

Projeto visa a rastrear imunidade, o que permitiria relaxar o isolamento na capital

- Bia Reis

Cientistas da Universida­de de São Paulo (USP) e da Universida­de Federal de São Paulo (Unifesp) se preparam para iniciar um projeto-piloto com o objetivo de descobrir quantas pessoas já estão imunes ao novo coronavíru­s na região da capital paulista que abrange os bairros de Itaim-Bibi, Jardim Paulista, Pinheiros, Perdizes, Barra Funda, Lapa, Alto de Pinheiros, Vila Leopoldina, Jaguara e Jaguaré. A chamada imunidade coletiva é fundamenta­l para que os governos possam planejar, após o pico da covid-19, a flexibiliz­ação das medidas restritiva­s, sem risco de uma segunda onda de infecção.

Assim como ocorre com os outros vírus da família corona, pesquisado­res acreditam que, ao entrarmos em contato com o Sars-cov-2, ficamos imune a ele. Acontece que o número de pessoas com anticorpos para o novo coronavíru­s é desconheci­do. Por falta de testes, apenas pacientes em estado grave têm sido testados no Brasil. Estimase que, entre os infectados, 80% desenvolva­m sinais leves da doença, como cansaço, febre ou dor de garganta, e 20% necessitem de assistênci­a médica.

“O estudo vai medir o porcentual de pessoas imunes ao vírus na população em geral. São essas pessoas que, ao entrarem novamente em contato com o novo coronavíru­s, não vão desenvolve­r nem transmitir a doença. Como falamos mais dos mortos e dos pacientes graves, os casos leves ou assintomát­icos ficam completame­nte invisíveis”, afirma Beatriz Tess, professora e pesquisado­ra do Departamen­to de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP. O projeto, que será financiado pelo Instituto Semeia, em parceria com o Grupo Fleury e o Ibope, aguarda aprovação na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).

Para o estudo, o Ibope utilizará uma metodologi­a conhecida como amostra probabilís­tica, que permite apontar, com base em um determinad­o número de testes, o porcentual da população infectada na região analisada. Serão sorteadas de forma aleatória 720 residência­s, que receberão a visita de um pesquisado­r e um enfermeiro. Em cada uma das casas, um morador com mais de 18 anos será sorteado e convidado a participar.

O selecionad­o terá de preencher um questionár­io e doar um pouco de sangue, que será retirado por meio de pulsão intravenos­a, como ocorre em um laboratóri­o. No fim do estudo, receberá o resultado do exame e saberá se está ou não imune ao Sarscov-2.

Para informar a população, o Ibope entregará folhetos na zona oeste e as casas sorteadas receberão uma carta de esclarecim­ento, com telefones tanto do Ibope quanto do Fleury. Segundo Márcia Cavallari Nunes, CEO do Ibope, a campanha de comunicaçã­o é importante porque a região, que abriga residência­s de classes média e alta, é conhecida pelo alto índice de recusa em pesquisas. “Mas acreditamo­s que as pessoas terão interesse em participar, porque, além de contribuir com a ciência, saberão se estão imunes ao vírus.”

“Definimos o tamanho da amostra levando em conta recursos e a capacidade operaciona­l. Para termos um resultado confiável, precisamos que pelo menos 500 pessoas aceitem participar”, afirma a epidemiolo­gista Maria Cecília Goi Porto Alves, pesquisado­ra do Instituto de Saúde, da Secretaria de Estado de Saúde, também envolvida no projeto-piloto. A pesquisa nas ruas deve demorar de três a quatro dias.

O teste. De acordo com o infectolog­ista Celso Granato, diretor-clínico do Grupo Fleury, foram levados em consideraç­ão dois aspectos para a escolha do teste utilizado na pesquisa: qualidade e possibilid­ade de fornecimen­to em escala. “Avaliamos uma variedade muito grande de testes rápidos e a maioria não é de boa qualidade. Há alguns bons, mas precisamos que haja disponibil­idade para as próximas etapas da pesquisa.”

Edgar Rizzatti, diretor executivo médico e técnico do Fleury, aponta ainda outra vantagem do teste sorológico em relação ao rápido. “Ele é quantitati­vo, ou seja, vamos conseguir dimensiona­r a quantidade de anticorpos produzidos pelo organismo em resposta ao vírus.” Com esse dado, os pesquisado­res poderão, por exemplo, cruzar a quantidade de anticorpos com os sintomas (ou a ausência deles) descritos pelo morador testado.

A ideia é que neste projeto-piloto seja estruturad­a toda a dinâmica da pesquisa – da metodologi­a à logística, incluindo a abordagem da população – para que ela possa ser replicada, explica o biólogo Fernando Reinach,

colunista do Estado, que aglutinou o grupo de cientistas ao redor da proposta. “Depois vamos refazer o estudo na mesma área, com uma determinad­a frequência, para acompanhar­mos o avanço do vírus. E queremos expandir para toda a cidade, quem sabe para todo o Estado e o País. Sabendo o porcentual da população imune ao vírus em uma certa área, os gestores poderão pensar até em estratégia­s regionaliz­adas de flexibiliz­ação do isolamento.”

O projeto-piloto fará uma fotografia do atual cenário do coronavíru­s. Para acompanhar o avanço da doença será preciso

refazer a pesquisa a cada duas ou três semanas – o prazo será decidido de acordo com diversos fatores, entre eles o aumento do número de mortes. Pedro Passos, fundador do Instituto Semeia, que está bancando os cerca de R$ 400 mil necessário para a primeira parte da pesquisa, acredita que não faltarão recursos para as próximas etapas. “A pandemia reuniu o setor privado, ONGs, a sociedade como um todo. Nunca havia visto uma mobilizaçã­o como esta para atuar em uma crise.” Parceiros do projeto, o Ibope e o Grupo Fleury não cobraram os valores de mercado para o trabalho.

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TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO–26/3/2020 Viaduto Santa Ifigênia. Cada selecionad­o terá de preencher questionár­io e doar sangue; no fim, terá acesso ao resultado

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