O Estado de S. Paulo

Em defesa do SUS

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Há poucos dias, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, fez um emocionado pronunciam­ento após ter recebido alta do Hospital St. Thomas, em Londres, onde ficou internado durante uma semana – três dias na UTI – acometido por covid19. “É difícil encontrar palavras para expressar minha dívida com o NHS (o Serviço Nacional de Saúde, na sigla em inglês) por ter salvado a minha vida”, disse o primeiro-ministro. “Se conseguirm­os impedir que o NHS seja sobrecarre­gado”, continuou Johnson, reforçando a necessidad­e de seus concidadão­s perseverar­em no isolamento social, “nós não seremos derrotados (pelo coronavíru­s).”

É justificáv­el a preocupaçã­o de Boris Johnson com a preservaçã­o do NHS, não só pelo papel decisivo que o serviço público de saúde teve em sua dramática experiênci­a, como também pelo que ele representa para todo o país. Criado três anos após a 2.ª Guerra com o objetivo de prover aos cidadãos do Reino Unido serviços de saúde de forma universal e gratuita “do berço até a sepultura”, como se dizia à época, o NHS é um orgulho nacional dos britânicos.

O modelo de saúde pública do Reino Unido foi a maior inspiração para a criação, no Brasil, do Sistema Único de Saúde (SUS), reconhecid­o pela Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) como o maior sistema de saúde universal e gratuito do mundo. Há mais de 30 anos, o SUS é o único refúgio para 8 em cada 10 brasileiro­s que precisam de atendiment­o médicohosp­italar. Se o NHS é fruto de um esforço de recuperaçã­o pós-guerra, o SUS nasce para atender a um dos mais candentes anseios da sociedade brasileira no processo de redemocrat­ização do País e de ampliação dos direitos e garantias fundamenta­is que, por fim, foram inscritos na Constituiç­ão de 1988. A unir os dois sistemas públicos está a visão de que a saúde não é uma mercadoria a ser vendida, mas um bem público a ser provido.

Em seu artigo 196, a Constituiç­ão estabelece que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”. Já o artigo 198 dispõe que “as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionaliz­ada e hierarquiz­ada e constituem um sistema único”. Em 1990, o Congresso aprovou a Lei Orgânica da Saúde, que regulament­ou o funcioname­nto do SUS e estabelece­u os parâmetros que até hoje regem o sistema. Este arcabouço legal revolucion­ou o serviço público de saúde no Brasil. Convém lembrar que antes do SUS não havia nada remotament­e parecido. Quando adoeciam, os desvalidos, os que não tinham empregos formais ou recursos para custear um plano de saúde particular só contavam com a filantropi­a das Santas Casas e com os hospitais públicos das redes estadual e municipal, não raro precários.

A universali­zação do acesso à saúde no País, portanto, é uma conquista inestimáve­l dos brasileiro­s. Assim há de ser valorizada em seus pontos fortes e corrigida em suas deficiênci­as. A capilarida­de do SUS, seja no atendiment­o à população, seja na gestão regionaliz­ada, é uma das fortalezas do sistema. Por outro lado, há anos os investimen­tos públicos no sistema – nas três esferas de governo – não condizem com sua necessidad­e e com sua importânci­a para o Brasil. O Orçamento da União de 2019 destinou R$ 132,8 bilhões para o SUS. Este ano, R$ 142 bilhões. Parece muito dinheiro, mas este montante serve apenas para cobrir despesas de manutenção, sem margem para investimen­tos. Ainda assim, com todas as limitações, o SUS é reconhecid­o internacio­nalmente pela excelência de seus programas de vacinação e de transplant­es de órgãos, o maior do mundo, sem falar na enorme quantidade de atendiment­os que presta e na gama de pesquisas científica­s que realiza anualmente.

Não fosse o SUS, o País estaria em situação muito pior no enfrentame­nto da maior emergência sanitária em um século, a pandemia de covid-19. Se os britânicos podem se orgulhar de seu serviço público de saúde, aos brasileiro­s não faltam razões para que também se orgulhem do seu. É necessário, pois, que a União, os Estados e os municípios, nos limites de suas responsabi­lidades, invistam no SUS para que o sistema seja aprimorado e possa entregar com mais qualidade tudo o que dele a Nação espera.

Sem ele, o País estaria em situação muitíssimo pior no enfrentame­nto da emergência sanitária

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