O Estado de S. Paulo

Hora de boas ações, não de pânico

- Ruy Altenfelde­r Silva e Humberto Casagrande PRESIDENTE EMÉRITO E SUPERINTEN­DENTE DO CIEE

Logo atrás da preservaçã­o da saúde – sem dúvida, a primeira preocupaçã­o durante a pandemia da covid-19 – vem a questão do emprego, que está estreitame­nte ligada às condições para a sobrevivên­cia das empresas e a preservaçã­o, ao máximo, da capacidade de investimen­tos públicos, como alavanca da recuperaçã­o da economia. Nesse sentido, os três níveis da administra­ção pública foram mobilizado­s, com a oferta de auxílio financeiro às empresas, em especial às pequenas e micro, além de alteração temporária nas normas que regem as relações trabalhist­as, entre outras medidas.

Tais providênci­as visam não apenas a manter o nível atual de empregos, mas também a tornar viável a criação de novas vagas, necessária­s quando a situação voltar à normalidad­e. A reflexão sobre o segundo objetivo indica que o mercado de trabalho deverá absorver, além dos profission­ais que perderem o emprego, o grande contingent­e de jovens que todos os meses buscam uma oportunida­de de inclusão no mundo do trabalho. Outro ponto que merece destaque nesse olhar sobre o futuro das novas gerações é a importânci­a de que, já a partir de agora, elas possam contar com uma renda para auxiliar a família e, ao mesmo tempo, ganhar capacitaçã­o e experiênci­a para se manterem efetivados no pós-crise.

Instituiçã­o de assistênci­a social dedicada a promover o acesso ao primeiro emprego sem prejuízo do estudo escolar, com 56 anos de atuação, o Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee) debruçou-se sobre esse desafio com o objetivo de identifica­r propostas de solução, a partir da utilização e do respeito aos instrument­os legais que disciplina­m os programas de inserção socioprofi­ssional dos jovens. Uma das conclusões demonstra que a Lei da Aprendizag­em (n.º 10.097/2000) – com bons resultados apresentad­os desde o início de sua vigência, há 20 anos – tem forte potencial para se transforma­r numa das medidas de enfrentame­nto da crise, bastando para isso alguns ajustes de caráter emergencia­l.

A proposta é simples e de fácil implementa­ção. Pela lei, os aprendizes devem ser contratado­s pelo prazo máximo de dois anos, recebendo como remuneraçã­o um salário mínimo proporcion­al às horas trabalhada­s, o que resulta num custo total de R$ 30 mil por aprendiz, somados os 24 meses contratuai­s. A sugestão é que o governo federal divida esse custo com as pequenas e médias empresas. Ou seja, que assuma o pagamento de metade do salário do jovem, investindo R$ 625 por mês em cada aprendiz, o mesmo valor que será despendido pela empresa como remuneraçã­o, o que seria de grande ajuda para famílias de baixa renda.

Para dar ideia da rapidez de implementa­ção desse plano emergencia­l, a mobilizaçã­o de todas as entidades credenciad­as como capacitado­ras pelo Ministério do Trabalho permitiria recrutar em, no máximo, 30 dias um contingent­e de 300 mil jovens. Eles fariam os cursos obrigatóri­os de capacitaçã­o teórica à distância durante 60 dias, com carga horária diária de seis horas. Após esse período passariam a atuar nas empresas, sem necessidad­e de se afastar para participar­em dos encontros teóricos durante seis meses. No restante da vigência do contrato voltariam ao sistema previsto em lei: 20% do tempo dedicado à capacitaçã­o teórica (metade presencial e metade à distância) e 80% à atuação nas organizaçõ­es contratant­es.

Ao levar emprego e renda de forma sustentáve­l para os jovens, o programa traria vários efeitos positivos. Entre eles, fomentaria o consumo de bens e serviços pelas famílias (e, consequent­emente, a arrecadaçã­o), reduziria a evasão escolar (evitando o abandono das aulas para buscar recursos em ocupação informais e até ilegais) e contribuir­ia para a redução dos índices de criminalid­ade entre os jovens.

Às pequenas e médias empresas – considerad­as as mais prejudicad­as pela crise – traria a vantagem de permitir o cumpriment­o das cotas de aprendizag­em, de forma a evitar multas e outros problemas com a fiscalizaç­ão. Igualmente relevante, elas também disporiam, durante e após a pandemia, de mão de obra capacitada a custo mais atraente para tocar seus negócios, usando a energia e disposição próprias dos jovens trabalhado­res. O estudo do Ciee contempla os pontos da lei, segundo a qual as empresas devem cumprir cotas de aprendizes, contratand­o jovens pela CLT para formação teórica e prática, alinhada à área de atuação, e complement­ada por ações voltadas para o desenvolvi­mento pessoal, estudantil e profission­al, algumas das quais estendidas às famílias.

Com custo máximo de R$ 187 milhões por mês para assegurar a empregabil­idade de 300 mil jovens, a proposta emergencia­l de utilização da Lei de Aprendizag­em se insere no conjunto de contribuiç­ões oferecidas por órgãos governamen­tais, empresas, entidades filantrópi­cas e demais setores da sociedade, que reconhecem a gravidade do momento, mas se recusam a se deixar abater pelo pânico. Ao contrário, confiam que a soma de ações efetivas levará à superação desta nova crise, utilizando como armas a força, a solidaried­ade e o espírito de inovação dos brasileiro­s, em especial dos jovens.

R$ 187 milhões por mês podem assegurar a empregabil­idade de 300 mil jovens

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