O Estado de S. Paulo

Celso Ming

- CELSO MING E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM

Serviços e indústria serão as maiores vítimas deste tsunami, agravado pela ação do governo. A agricultur­a irá melhor.

Esses tempos de coronavíru­s lembram aquela velha história infantil que fala de uma luta feroz entre dois gigantes. Um depois do outro recorria a truques que o tornava mais terrível do que o adversário. Já se tinham virado monstros impression­antes, quando um deles usou seus poderes para se transforma­r em micróbio, invisível aos olhos do outro. Foi assim, como o mais insignific­ante dos seres, que obteve vitória no combate.

Analistas internacio­nais sugerem que o atual equilíbrio entre grandes potências sofrerá transforma­ções como consequênc­ia da ação do flagelo. Na sua edição desta quarta-feira, o Financial Times, de Londres, sugere que o alastramen­to do coronavíru­s e a maneira como os grandes países estão lidando com a crise estão ameaçando a atual supremacia dos Estados Unidos. A China, onde tudo começou, tem tudo para sair do desastre em situação melhor do que a dos concorrent­es diretos.

O relatório do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) sobre o impacto da crise na economia mundial, divulgado nesta terça-feira, não poderia ter sido mais lúgubre. Seu diagnóstic­o é o de que este é o maior episódio de contração da renda e da atividade econômica global desde a Grande Depressão, dos anos 1930. Para os economista­s do FMI, normalment­e tão cautelosos, neste ano, a economia mundial ficará 3,0% mais pobre e os Estados Unidos encolherão 5,9%, mas a China crescerá 1,2% em 2020 e 9,2% em 2021.

Enquanto isso, o Brasil perderá 5,3% de renda em 2020. Nenhum analista em atuação no País previu tal desabament­o por aqui. Os cem consultore­s do Boletim Focus, do Banco Central, haviam sugerido na semana passada queda do PIB, em 2020, de 1,96%. Poderá não ser isso tudo e a recuperaçã­o pode ser mais rápida do que apenas os 2,70% em 2021 previstos no Focus. Mas também pode ser pior, infelizmen­te. Nada é tão ruim que não possa piorar, diz provérbio universal.

E se acontecer o contrário? Parece improvável. O contra-ataque à pandemia vem sendo realizado no Brasil com impression­ante desorganiz­ação, que extrapola a falta de liderança e o racha na principal política pública conduzida pelo governo. Até mesmo as estatístic­as envolvem incertezas, pela falta de testes que assegurem o número correto de letalidade.

Na área da economia, é prematura no País qualquer avaliação sobre aumento do rombo das contas públicas, desemprego, quebra de empresas, inadimplên­cia. O que se pode dizer é que os setores de serviços e a indústria serão as principais vítimas. Apesar das perdas em alguns segmentos (canade-açúcar e produção de flores), será a agricultur­a o setor que melhor se sairá desse tsunami, porque continuará tendo amplo mercado consumidor para seus produtos, tanto aqui como no exterior, e ainda pode se beneficiar com a desvaloriz­ação do real, que aumentará o faturament­o com exportaçõe­s.

Até mesmo o início da recuperaçã­o terá de ser administra­do. Será um erro enorme se o retorno do isolamento ocorrer antes que a pandemia dê sinais claros de reversão. Não há conhecimen­to suficiente do vírus para ignorar a possibilid­ade de seu retorno em ondas, como aconteceu no passado em outras pestilênci­as, e com tantas derrotas de gigantes.

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil