Fernando Reinach
O isolamento é o único modo de reduzirmos os casos da covid-19. A questão é como sair dele sem que a pandemia volte com força.
Não existe dúvida de que o isolamento social é a única maneira de amenizarmos o tsunami de casos de covid-19. A questão é como sair do isolamento sem que a pandemia volte com força total. Apesar dessa discussão ser complexa e recheada de modelos matemáticos, no fundo só há três opções. Duas delas são de longo prazo e não temos como controlar seu desenrolar. A terceira está sob nosso controle, mas depende de informações confiáveis para que o desfecho seja favorável.
A primeira opção é esperar o desenvolvimento de uma vacina. Isso leva tempo e o cronograma não pode ser adiantado. Não falta dinheiro para os mais de 70 grupos de cientistas que estão desenvolvendo a vacina, mas isso não garante que tenhamos uma com eficácia e segurança comprovada antes de 12 a 18 meses. Pode levar mais tempo, pode levar menos, é quase impossível prever. E depois da vacina pronta vão ser meses para produzir as doses necessárias e vacinar a população. Essa opção, portanto, está fora de nosso controle.
A segunda opção consiste em esperar por uma ou mais drogas que ajudem no tratamento e com seu uso a taxa de mortalidade seja reduzida. Isso permitiria a liberação do distanciamento sem incorrer em grande número de mortes. Tampouco falta dinheiro e esforço, mas, como no caso da vacina, isso pode ocorrer logo ou levar muitos meses ou anos. Também está fora de nosso controle.
A terceira opção é afrouxar o isolamento e administrar o número de novos casos que vão aparecer de modo a evitar que o sistema hospitalar colapse. Na sua essência essa opção consiste em deixar crescer lentamente a chamada imunidade de rebanho. Ou seja, deixar que a população se infecte com o vírus, de modo que os mais de 90% dos casos leves, que se recuperam em casa, reduzam a transmissão do vírus. Esse fenômeno acontece porque à medida que uma fração crescente da população se torna imune ao coronavírus ele encontra menos pessoas para infectar e a propagação diminui de velocidade.
Hoje essa é a única opção sobre a qual a humanidade tem algum controle e pode ser implementada após esse primeiro pico de casos. Pode ser que surjam outras opções, mas que eu saiba, por enquanto todas as estratégias giram em torno dessas três opções. E dada a crise econômica oriunda da paralisação econômica, essa tende a ser a estratégia adotada ao redor do mundo.
Como bem lembrou o diretor-geral da OMS, para ter sucesso nessa estratégia é necessário que o governo (que tem o poder de abrir ou fechar a torneira do isolamento) tenha as informações necessárias para controlar a torneira do isolamento. Essas informações são basicamente de dois tipos: a taxa de ocupação dos leitos de UTI e informações sobre a propagação do vírus. Ambas as informações precisam ser confiáveis e obtidas com a frequência adequada. A taxa de ocupação de UTIs é mais simples de obter pois basta organizar um sistema eficiente de coleta de informações em hospitais. Mas os dados sobre a propagação do vírus exigem experimentos que permitam medir a propagação do vírus. Essa é a especialidade dos epidemiologistas. Coletando dados frequentemente seremos capazes de fazer previsões sobre os casos que chegarão aos hospitais nas semanas seguintes, o que, combinado com a taxa de ocupação das UTIs, permitirá tomar decisões sobre o relaxamento do distanciamento social. É por isso que, enquanto os médicos estão lutando para salvar vidas nas UTIs, é necessário que os epidemiologistas estejam se organizando para coletar os dados sobre o progresso do espalhamento do vírus na população.
Um dos dados essenciais para orientar as ações governamentais é saber exatamente qual fração da população já foi infectada pelo vírus em cada momento. Quanto maior essa fração mais difícil será para o vírus continuar a se espalhar e maior pode ser o relaxamento. O problema é que somente testar as pessoas que chegam ao hospital com casos moderados graves subestima muito esse número. Isso porque sabemos que existem muitos casos assintomáticos e essas pessoas não entram nas estatísticas coletadas nos hospitais.
Nas últimas três semanas, tenho ajudado um grupo de cientistas a organizar um projeto-piloto cujo objetivo é medir diretamente o número de pessoas já infectadas que se curaram do coronavírus na região de São Paulo mais afetada pela pandemia (mais informações nesta página). Se o projeto-piloto for bem-sucedido, ele poderá ser expandido para toda a cidade ou em outros locais com muitos casos.
Eu tenho aqui um pedido para meus leitores: por favor espalhem essa informação aos amigos. Pode acontecer de eles estarem entre os sorteados e, se for o caso, poderão ajudar na pesquisa, recebendo a enfermeira do Fleury e o entrevistador do Ibope, concordando em participar do estudo e doando uma pequena amostra de sangue. Dessa maneira estarão ajudando o governo a relaxar o isolamento com segurança.
É preciso saber exatamente qual fração da população já foi infectada pelo vírus
Adendo: Um grupo de pesquisa, de Pelotas (RS), acabou de divulgar os resultados de um estudo semelhante. Infelizmente, pelo pequeno número de casos na região estudada, os resultados me parecem inconclusivos. Em só 2 das 4.189 pessoas testadas foi detectado o anticorpo contra o coronavírus. O número é menor que o número esperado de falsos positivos (quando uma pessoa que você sabe que não tem o vírus testa positivo). Infelizmente o grupo usou um teste rápido, pouco sensível. Talvez esse tenha sido o problema. Ciência é assim, cheia de frustrações.