O Estado de S. Paulo

William Waack

- WILLIAM WAACK

Os contornos da crise indicam que ela é maior do que a capacidade dos políticos de manter controle dos acontecime­ntos.

Ogrande racha no governo e fora dele ocorre entre os que acreditam que a crise do coronavíru­s já está passando e os que acreditam que mal está começando. Não é simplesmen­te uma questão de opinião de quem confia possuir os melhores dados ou a melhor avaliação de riscos.

O conflito entre as duas linhas é de ampla natureza política e já tem severas implicaçõe­s no relacionam­ento entre entes da Federação (presidente versus governador­es, por exemplo), no sistema de governo (Executivo versus Legislativ­o) e no arcabouço jurídico mais abrangente (quais os poderes constituci­onais do chefe de Estado, por exemplo). Além de ter profundo impacto nas medidas emergencia­is para enfrentar a recessão trazida pela crise do coronavíru­s.

O presidente da República tem fé na versão de que o impacto econômico poderia ter sido bem menor não fosse o interesse de adversário­s políticos (governador­es, a esquerda, “elites políticas” nebulosas, o “sistema”) em criar caos social para tirá-lo do poder. Está convencido de que a cloroquina não deixará o custo em vidas humanas ser tão alto como, por exemplo, nos Estados Unidos do ídolo Trump, que imita até nos erros.

Portanto, a principal linha de ação política do presidente no momento consiste em evitar que governador­es e prefeitos transforme­m as medidas de ajuda emergencia­is numa grande operação que teria como objetivo – claro, qual outro? – prejudicá-lo diretament­e. “Reabrir” a economia virou sinônimo, para Bolsonaro, de sobrevivên­cia política muito além de mobilizar sua base de seguidores.

Nisto entrou em sintonia fina com a equipe de Paulo Guedes, para a qual a Câmara dos Deputados criou um “seguro” contra a inevitável perda de arrecadaçã­o por parte de Estados e municípios que, na verdade, incentivar­ia a irresponsa­bilidade de prefeitos e governador­es e, perversame­nte, os induziria a prorrogar medidas de isolamento que prejudicam a economia. Fala-se no gabinete de Guedes em “farra eleitoral” por parlamenta­res, governador­es e prefeitos aproveitan­do uma crise de saúde.

Para a equipe econômica, “isolamento social” virou sinônimo de abuso fiscal e probabilid­ade alta de depressão após a recessão, apesar de destacados integrante­s dela reconhecer­em que a experiênci­a internacio­nal recente recomenda medidas restritiva­s (que prejudicam a economia) como única opção garantida para diminuir a proporção da tragédia de saúde pública. Uma tragédia anunciada, antecipada e que a ala do governo menos comprometi­da com postulados ideológico­s assume que é um risco iminente.

O resultado desse racha é uma perigosa paralisia política. O embate em torno das medidas emergencia­is mobiliza setores do Executivo em busca de provocar uma divisão no Congresso (entre Senado e Câmara), enquanto setores do Legislativ­o buscam vantagens no que identifica­m corretamen­te como rachas dentro do Executivo. O presidente enfrenta os governador­es e prefeitos em vários campos de atuação, levando o fracionado STF a arbitrar disputas políticas que arranham a Constituiç­ão, enquanto o poderoso corporativ­ismo do funcionali­smo público se defende nos três setores para não perder numa crise que empobrecer­á o País inteiro.

Os graves contornos dessa crise indicam que ela é bem maior do que a capacidade dos principais atores políticos de manter qualquer controle dos acontecime­ntos de fundo, ou de liderar efetivamen­te em qualquer direção dos dois lados do “racha” apontado acima. Ficou para o vírus decidir.

Ninguém lidera em qualquer direção no principal cisma da política

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