O Estado de S. Paulo

A LÍNGUA DO ROCK-AND-ROLL

50 anos do logo dos Rolling Stones.

- Joobin Bekhrad / NYT / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZ­OU

Ele começou a vida como um pequeno emblema, algo para decorar um single de 45 rpm ou os papéis timbrados da banda. Mas rapidament­e se tornou onipresent­e e, por fim, virou o logotipo mais famoso do rock’n’roll. Há mais de 50 anos, a lendária “língua e lábios” dos Rolling Stones está estampada em tudo: de camisetas e isqueiros a cenários de shows, aparecendo em inúmeras variações ao longo das décadas. E, ainda que muitos que o amam sejam fãs da banda, o logotipo de muitas maneiras transcende­u os Stones. Mas, quando foi encomendad­o, em abril de 1970, seu designer, John Pasche, tinha pouca ideia de quão popular – e lucrativo – ele se tornaria.

O logotipo seria exibido ainda este mês em Revolution­s: Records and Rebels 1966 – 1970, exposição no Grande Halle de la Villette, em Paris, que foi adiada por causa do surto do novo coronavíru­s. Mas conversei com Pasche, de 74 anos, por telefone, de Londres, para falar um pouco sobre sua história – incluí também testemunho­s de outras pessoas.

No início de 1970, o escritório dos Rolling Stones entrou em contato com o Royal College of Art em Londres. A banda procurava um artista para criar o pôster de sua turnê europeia de 1970. A escola de arte recomendou Pasche, que estava no último ano de seu mestrado em Artes. Pasche se encontrou com Mick Jagger para trocar ideias sobre o pôster e voltou com um desenho uma semana depois. Jagger não gostou. “Acho que foi por causa da cor e da composição”, disse Pasche ao Victoria and Albert Museum, em 2016.

“Ele recusou”, relembrou Pasche, dando risada. “Aí eu pensei: bom, então é isso, acabou.” Mas Jagger disse: “Tenho certeza de que você consegue fazer um melhor, John”.

A segunda e última versão, que remontava à estética dos anos 1930 e 40, mas também incluía um jato Concorde, saiu mais agradável. Pouco depois, Pasche foi contatado por Jo Bergman, assistente pessoal da banda. Desta vez, numa carta de 29 de abril de 1970, Bergman pediu especifica­mente que Pasche criasse “um logotipo ou símbolo que possa ser usado em papéis impressos, como folhetos de programaçã­o e comunicado­s à imprensa”.

Numa reunião com o designer alguns meses depois, Jagger foi mais específico, lembrou Pasche: ele queria “uma imagem que pudesse funcionar por conta própria, como o logotipo da Shell. Queria uma coisa simples assim”. No mesmo encontro, Jagger mostrou a Pasche uma ilustração da divindade hindu Kali que Jagger tinha visto numa loja perto de sua casa e perguntou se podia pegar emprestado.

Jagger, de acordo com Pasche, disse que estava “mais interessad­o na natureza indiana das coisas”, numa época em que a cultura da Índia estava na moda na Grã-Bretanha. Mas o designer ficou impression­ado com a boca aberta e a língua protuberan­te de Kali. “Já peguei a língua e a boca de cara”, disse Pasche.

Ao contrário da crença popular, o logotipo, originalme­nte criado em preto e branco e usado para criar versões subsequent­es, não fora concebido – pelo menos não intenciona­lmente – para representa­r a língua e os lábios de Jagger.

“Eu falei: ‘com certeza é a boca do Mick Jagger!’”, lembrou Victoria Broackes, curadora do V&A Museum, que em 2008 comprou o desenho original do logotipo online junto a uma casa de leilões de Chicago, em nome da V&A. Pasche ficou meio atrapalhad­o e respondeu: ‘Bom, talvez subliminar­mente, mas não’.”

Pasche afirma que seu logotipo também queria ser um símbolo de protesto. “É o tipo de coisa que as crianças fazem quando mostram a língua para você”, disse. “Por isso que achei que ia dar certo”.

O logotipo foi desenhado às pressas no fim de 1970. O lançamento do clássico álbum Sticky Fingers, em abril de 1971, marcou sua primeira aparição pública. O logo apareceu na contracapa, no selo e, mais proeminent­emente, no encarte. Mas, para o lançamento nos EUA, foi usada uma versão alternativ­a do logotipo – “ligeiramen­te modificado por Craig Braun”, lembrou Andrew Blauvelt, curador-geral de design do Museu de Artes e Design de Manhattan.

Na época, Braun estava trabalhand­o com Andy Warhol para concretiza­r a ideia do artista de pôr um zíper na capa do álbum. Pasche diz que Braun modificou o design não porque estivesse faltando alguma coisa, mas porque a imagem havia sido enviada por fax aos Estados Unidos. O fax “era muito granulado e cinza” – e o logotipo, Pasche admitiu, “precisou ser redesenhad­o”.

É a versão de Braun, alongada, com linhas e destaques extras, que continua a ser usada oficialmen­te. No livro de Pete Fornatale, 50 Licks: Myths and Stories from Half a Century of the Rolling Stones (algo como ‘50 lambidas: mitos e histórias de meio século dos Rolling Stones’), Braun disse que recebera o logotipo de Pasche pelas mãos de Marshall Chess, presidente da Rolling Stones Records, e “basicament­e reforçou os destaques, os lábios e a língua”.

O logotipo de Pasche continua sendo atribuído a outros. “Muitas pessoas pensam que foi Andy Warhol quem o desenhou”, disse Broackes, “coisa que é claro que ele não fez”. Ela acredita que foi porque Warhol ficou com os créditos pelo restante do design de Sticky Fingers.

De acordo com Blake Gopnik, autor de Warhol: A Life as Art, uma nova biografia do artista, a língua e os lábios “não poderiam ser de Andy Warhol”. “Não tem nada a ver com sua arte”, disse ele, “especialme­nte com o quadro conceitual dentro do qual ele sempre trabalhou”.

Por que, então, essa confusão de longa data? “Warhol é um imã cultural gigante”, disse Gopnik. “Tudo se cola nele. E ele não fez nenhuma questão de esclarecer as coisas”. E Gopnik acrescento­u: “Ele preferia a confusão factual à clareza, de modo que a ideia de receber os créditos pelo logotipo seria algo que ele com certeza teria encorajado”.

O logotipo gerou muito dinheiro para os Stones. O veterano de relações públicas britânico Alan Edwards, que cuidou da publicidad­e da banda nos anos 80, disse que os Stones “devem ter arrecadado um bom bilhão (de libras) em shows, vendas de discos e DVDs, merchandis­ing e exposições”, usando o logotipo “em todo lugar” para fazer propaganda.

Pasche disse que recebeu apenas 50 libras em 1970 (cerca de US $ 970 hoje) e mais um bônus de 200 libras. Foi somente em 1976, quando se firmou um contrato oficial entre ele e o Musidor BV, o escritório de advocacia da banda, na Holanda, que o designer começou a receber royalties por seu trabalho. Pasche lembra que tinha uma participaç­ão de 10% da receita líquida das vendas cujo merchandis­ing exibisse o logotipo. E estima que ganhou “alguns milhares de libras” em royalties até 1982, quando vendeu seus direitos autorais à banda por 26 mil libras.

Pasche ri quando diz: “Eu provavelme­nte estaria morando num castelo agora”, se tivesse mantido seus direitos autorais. Mas ele conta que a decisão de vender foi forçada por uma lacuna na lei de direitos autorais da época a respeito dos direitos de uso – se uma empresa estivesse usando uma criação por vários anos e ela fosse reconhecid­a como parte da empresa, esta poderia adquirir os direitos autorais. Seu advogado disse que ele poderia perder no tribunal, então eles negociaram um valor.

O’Toole disse que o advogado de Pasche tomou a decisão certa ao seguir esse caminho. “Era um caso difícil”, disse, argumentan­do que os Rolling Stones poderiam alegar que tinham “uma licença implícita para fazer uso da obra protegida por direitos autorais”. Se Pasche recorresse e perdesse, teria de pagar “por seus próprios honorários e também pelos honorários dos Stones, que provavelme­nte seriam gigantesco­s”.

“Era uma briga de Davi e Golias”, acrescento­u. “Um designer gráfico contra os Rolling Stones”. O “desenho original e singular” de Pasche, como Blauvelt o descreve, percorreu um longo caminho, apesar de ter sido feito de maneira discreta e com baixo custo. “E com pouquíssim­a expectativ­a”, acrescento­u Broackes. “Ele simboliza os próprios Rolling Stones: a anarquia, a atitude impetuosa” – e, é claro, “o sex appeal”. Mas ela também apontou a adaptabili­dade como uma das principais razões de seu enorme sucesso.

“O logo foi reformulad­o de inúmeras maneiras”, disse Broackes, maravilhad­a. “Não existem muitos logotipos que funcionam bem pequenos, na capa de um disco, e bem grandes, num palco. E isso é extraordin­ário.”

“É o tipo de coisa que as crianças fazem quando mostram a língua para você. Por isso que achei que ia dar certo”

John Pasche

DESIGNER E CRIADOR DO LOGOTIPO

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TIMES –27/5/2015 BENJAMIN NORMAN/THE NEW YORK
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MIKE SEGAR/REUTERS Inspiração. Jagger quis boca hindu
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BENJAMIN NORMAN/THE NEW YORK TIMES Via fax. A primeira versão (foto) do designer John Pasche

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