O Estado de S. Paulo

A pandemia nas contas públicas

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Quando a pandemia ceder, o Brasil começará a pagar os gastos emergencia­is. Até dezembro, o rombo nas contas públicas poderá chegar a R$ 600 bilhões.

Quando a pandemia ceder e a mortandade cair, o Brasil começará a pagar a conta dos gastos emergencia­is para proteção da vida e apoio aos trabalhado­res. Até dezembro o rombo nas contas públicas poderá chegar a R$ 600 bilhões, sem contar os juros. O buraco previsto no começo do ano será multiplica­do por quatro ou cinco. O governo geral estará muito mais endividado. No fim de 2020 a dívida bruta poderá estar entre 85% e 90% do Produto Interno Bruto (PIB). Em fevereiro, estava em R$ 611 bilhões e a proporção era de 76,5%. Com muito trabalho, a equipe econômica tentava mantê-la abaixo de 80%. Também se abandonou essa meta, quando foi preciso destinar mais dinheiro à saúde e atenuar os efeitos econômicos da covid-19. Mas a dívida será administrá­vel, se o governo mantiver o compromiss­o com a seriedade fiscal e com a pauta de reformas, disse o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, ao apresentar as novas estimativa­s. O recado implícito é claro: são condições para o governo preservar a confiança de quem o financia.

Além de matar, acuar populações e derrubar a economia, o coronavíru­s devastou as contas públicas, em todo o mundo, ampliando os déficits e as dívidas. Governos perderam receita e foram forçados a gastar muito mais que o previsto. Gastos adicionais e outras medidas para defesa da saúde e ajuda a empresas e famílias devem ter chegado a uns US$ 3,3 trilhões, globalment­e, estima o

Fundo Monetário Internacio­nal

(FMI). O total ainda cresce quando se adicionam operações de suporte financeiro. Os números estão no recém-divulgado Monitor Fiscal.

O governo brasileiro seguiu e continua seguindo, portanto, uma estratégia implantada em muitos países. “Ser liberal não significa ser estúpido”, disse o secretário Mansueto Almeida. “Não há dúvida de que temos de gastar mais, para ajudar o sistema de saúde, os trabalhado­res que ganham pouco, os trabalhado­res informais. Mas será um gasto temporário e não vai continuar nos próximos anos.”

Por isso, acrescento­u, esta será diferente de outras crises. Foi uma referência indireta aos gastos de emergência iniciados em 2009 e mantidos por vários anos.

Por enquanto, diz o secretário, um colchão de liquidez dispensa o Tesouro de buscar financiame­nto. Mas novos empréstimo­s serão inevitávei­s, como indica a nova projeção da dívida pública.

Segundo o FMI, no Brasil a dívida bruta do governo geral – da União, de Estados e municípios – passará de 89,5% do PIB em 2019 para 98,2% em 2020. A média mundial aumentará de 83,3% para 98,4%. A dos países emergentes e de renda média crescerá de 38,3% para 45,8%.

No caso da dívida pública brasileira, os números do Fundo são normalment­e maiores que os de Brasília, por diferença de critérios. Os cálculos do FMI, ao contrário dos brasileiro­s, incluem títulos do Tesouro na carteira do Banco Central. Isso resulta numa diferença às vezes superior a dez pontos, quando se trata da relação dívida/PIB.

Como é aplicado de forma geral, o critério do Fundo facilita a comparação entre a dívida brasileira e as de outros países. O endividame­nto do governo geral do Brasil é bem maior que o da média das economias emergentes e de renda média. No ano passado, a diferença ficava entre 89,5% e 38,3% do PIB. Mesmo na América Latina a diferença é sensível. Na média, a dívida pública latino-americana deve crescer de 45,3% no ano passado para 51,7% em 2020.

Em vários países avançados, a dívida é muito maior que no Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, o endividame­nto estimado para o fim deste ano é de 131,1%. Na Itália, a proporção deve atingir 155,5% em 2020. No Japão, há muito tempo campeão do endividame­nto público, a proporção deve subir de 237,4% para 251,9%. Mas em todos esses países o setor público obtém financiame­nto abundante a juros muito baixos, às vezes até negativos.

No Brasil, juros em queda têm atenuado os custos financeiro­s do governo. Neste ano podem ajudar a conter a expansão da dívida. Será um prêmio pela inflação contida e pelo esforço fiscal desde o governo anterior.

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