O Estado de S. Paulo

Tesouro admite que está difícil rolar dívida

Em nota, órgão abre jogo sobre dificuldad­es para financiar títulos públicos no mercado

- Adriana Fernandes/ BRASÍLIA

Em meio à disputa sobre o socorro do governo federal a Estados e municípios, o Tesouro Nacional alertou ontem para o risco de financiame­nto de títulos no mercado para bancar a dívida pública. O Tesouro lembrou que a dívida pública brasileira é muito alta – pode fechar em 90,8% do PIB, segundo projeções oficiais – e que tem enfrentado dificuldad­es de colocar títulos com vencimento­s mais longos no mercado, mesmo antes da pandemia.

“O recado é: se exagerar, tem risco. Não é bom sairmos de uma crise com uma dívida tão alta.”

Mansueto Almeida

SECRETÁRIO DO TESOURO

Na guerra política que se transformo­u a disputa sobre o socorro do governo federal a Estados e municípios, o Tesouro Nacional endureceu o tom e alertou ontem para o risco de financiame­nto de títulos no mercado para bancar a dívida pública.

Em mensagem pouco habitual, o Tesouro abriu o jogo e reconheceu que está encontrand­o dificuldad­e para vender seus títulos no mercado. A equipe comandada pelo secretário Mansueto Almeida advertiu que nenhum governo tem capacidade de se endividar infinitame­nte e controlar a inflação simultanea­mente.

É a primeira vez que, após o agravament­o da pandemia do novo coronavíru­s, o Tesouro fala mais claramente sobre o problema que já vinha sendo discutido internamen­te na área técnica do órgão e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e seus principais assessores.

A nota técnica divulgada não fala, mas entre os técnicos do órgão há preocupaçã­o também com os riscos de o Banco Central poder passar a comprar títulos do Tesouro no mercado com a aprovação da PEC do “orçamento de guerra”, cujo texto passou pelo primeiro teste ontem no Senado. Técnicos experiente­s veem risco de o BC “competir” com o Tesouro na venda dos títulos públicos. Um problema a mais num cenário já muito adverso.

“Em casos extremos, a demanda por títulos públicos pode tender a zero”, diz a nota do time de Mansueto. O alerta foi feito em meio ao embate entre o governo Jair Bolsonaro e o Congresso em torno do projeto de socorro emergencia­l a Estados e municípios.

A nota diz que é consenso entre os economista­s que há um limite para o endividame­nto público não inflacioná­rio de um País, mesmo que o seu valor exato seja de difícil projeção.

“Ainda que, em tese, um governo possa ofertar quantos títulos quiser, ele só poderá emitir se tiver alguém que os compre”, diz a nota.

O Tesouro lembra que a dívida pública brasileira é muito alta – pode fechar em 90,8% do PIB, segundo projeções oficiais – e que tem enfrentado dificuldad­es de colocar títulos com vencimento­s mais longos no mercado – mesmo antes de o Brasil ter sido atingido pela pandemia, ainda em janeiro passado. Nesse cenário, o Tesouro foi obrigado a cancelar diversos leilões.

“Em casos extremos, a demanda por títulos públicos pode tender a zero.”

NOTA TÉCNICA DO TESOURO NACIONAL

Risco. Procurado após a divulgação da nota técnica, Mansueto disse ao Estado que é preciso mostrar que a trajetória de alta do endividame­nto será revertida e que os gastos para a crise não serão permanente­s. “O recado é: se exagerar, tem risco. Não é bom sairmos de uma crise com uma dívida tão alta”, afirmou. Segundo ele, a última vez que o Tesouro teve problemas de financiame­nto foi em 2002, quando o governo teve problemas para vender os seus títulos.

Mansueto ressaltou que o endividame­nto brasileiro já é elevado em relação aos emergentes e que pelo critério do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) – mais amplo do que o utilizado pelo Brasil – já vai a 100% do PIB. “Ainda bem que estamos num cenário de juros muito baixos”, disse. Segundo ele, o Tesouro está usando parte do seu colchão de liquidez na crise para ficar alguns meses sem vender os títulos, mas ponderou que depois terá que fazer leilões mais agressivos para compensar.

A estratégia de Guedes é tentar reverter com números e dados a aprovação do projeto de auxílio a governador­es e prefeitos da forma como passou na Câmara. Para isso, o Ministério da Economia foi para o contraataq­ue com dados e uma proposta alternativ­a ao projeto que recebeu o aval dos deputados, cujo impacto é de R$ 93 bilhões, caso a União seja obrigada a recompor uma perda de 30% na arrecadaçã­o do ICMS (estadual) e ISS (municipal).

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GUSTAVO RANIERE /MINISTÉRIO DA ECONOMIA Sem financiame­nto. Nota do Tesouro, capitanead­o por Mansueto, diz que dívida pública pode fechar em 90,8% do PIB

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