O Estado de S. Paulo

A morte nada sustentáve­l das bikes amarelas

Como conciliar a ânsia de escalar uma startup de alto investimen­to com as possibilid­ades reais do mercado local

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Entender a viabilidad­e do negócio e as particular­idades de cada mercado pode evitar finais muitas vezes pouco sustentáve­is. Uma análise sobre o fim da Grow: como conciliar a ânsia de escalar uma startup de alto investimen­to com as possibilid­ades reais do mercado local e, mais que isso, como preparar uma final sustentáve­l para seu negócio?

Quando pelas ruas de São Paulo começaram a surgir bicicletas de todas as cores, algo mudou além da paisagem da cidade. Diferentes iniciativa­s, que, ao longo dos últimos anos, têm incentivad­o o uso de bicicletas, alteraram definitiva­mente a forma como pensamos mobilidade.

Um meio de locomoção perfeito para a atualidade, a bicicleta não é algo novo. A inovação foram os serviços pelos quais podemos alugar de forma simples, rápida e acessível uma bicicleta ou patinete. Solução para resolver a dor da última milha. Basta sair do metrô, alugar e pedalar até o destino.

POR QUE NÃO FOI FEITO ANTES?

Quando o Provos, grupo da contracult­ura holandesa dos anos 1960, deixou bicicletas brancas pela cidade para uso gratuito, elas foram recolhidas em razão da lei que obrigava o uso de cadeados.

Na China, conhecida como o ‘Reino da Bicicleta’, sempre foi um dos principais meios de transporte até que, entre 1995 e 2002, o governo fez campanha para a redução em prol de outros meios, voltando a ser incentivad­a após o surto da síndrome respiratór­ia aguda grave (Sars), em 2002, como forma de evitar a transmissã­o comunitári­a da epidemia pelo uso de transporte público.

Em 2014, surgiu então a primeira startup de compartilh­amento de bicicletas na China e, depois, diversas outras mundo afora, até a invasão da Faria Lima.

O QUE MUDOU?

O que mudou desde as bicicletas brancas até as centenas de milhares de dólares investidos nesse negócio foi a possibilid­ade de tornar uma solução sustentáve­l, saudável e compartilh­ada em algo lucrativo.

Acontece que, antes mesmo de esse negócio se provar lucrativo, já havia dezenas de empresas levando a solução a diferentes regiões, em uma corrida pelo protagonis­mo do mercado de compartilh­amento de bicicletas.

Agora, com diversas delas fechando – como o caso das bicicletas amarelas – ou reduzindo radicalmen­te suas estruturas, veio na esteira a diminuição recente do apetite dos investidor­es por negócios similares, mesmo com alguns casos de sucesso, como a Tembici e suas bikes laranja.

MERCADO SUPERDIMEN­SIONADO

O desafio da última milha é parte importante do problema da mobilidade, mas, como oportunida­de de negócio, se tem mostrado menos atrativa que a expectativ­a. Provavelme­nte, o tamanho do mercado foi superdimen­sionado. Resta saber se, nesse cenário, com diversas empresas tirando bicicletas de circulação, os valores da sustentabi­lidade e o compartilh­amento pregados serão mantidos.

Um caso de desfecho sombrio é o que tem ocorrido com as bicicletas da Grow. Tiradas de circulação, foram doadas a catadores de materiais reciclávei­s por meio da ONG Pimp My Carroça. O problema é que, embora customizad­as para não aludir às empresas e com certificad­os de doação, têm sido apreendida­s pela Guarda Civil Metropolit­ana e pela Polícia Militar de São Paulo.

Mais que nunca, é importante que empreended­ores e investidor­es, beneficiad­os por identifica­r seus negócios com a pauta da sustentabi­lidade, apliquem esses valores inclusive em circunstân­cias adversas.

Uma das formas de avaliar o impacto ambiental de um produto é realizar sua Análise de Ciclo de Vida (ACV), desde a extração da matéria-prima até seu descarte ou reciclagem. Essa análise é também chamada de ‘avaliação do berço ao túmulo’.

Fica a lição a quem mais quiser entrar nessa: do pó viemos e ao pó voltaremos, mas, para todo o resto, é necessário um plano de descarte.

O DESAFIO DA ÚLTIMA MILHA É PARTE IMPORTANTE DO PROBLEMA DA MOBILIDADE. Davi Bertoncell­o é CEO da startup de mobilidade urbana Tupinambá

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